"Produzir vinhos no Brasil é muito caro"

  • Mila Cordeiro| Ag. A TARDE

    Enólogo Euclides Penedo Borges fala sobre produção de vinhos

Euclides Penedo Borges não é baiano, mas tem um pé aqui. Seu pai, José Leão Borges, baiano de Ilhéus, foi para o Rio de Janeiro pelos idos do século 20.  O moço carioca cresceu e virou engenheiro civil. Passou a trabalhar na área de siderurgia e ganhou o mundo. Na Alemanha, experimentou um vinho branco produzido com a uva riesling que o arrebatou. Foi uma experiência estética. Passou a colecionar rótulos, estudar, degustar, conhecer vinhedos e vinícolas por todo o mundo - sem deixar a engenharia, função exercida então na Vale do Rio Doce. Assim, Euclides chegou a presidente da Associação Brasileira de Sommelier (ABS) e um dos mais respeitados conhecedores de vinho do país. A Bahia, contudo, voltou a cruzar seu caminho. Em 2004, o empresário baiano João Carlos Tourinho Dantas, o Cacá Dantas, lhe fez uma proposta: "Vamos comprar terras na Argentina para plantar uva e, quem sabe, fazer vinhos?".  Proposta aceita. Hoje, a vinícola Otaviano Bodega y Viñedos  produz, em Mendoza, alguns vinhos tops do país. É a única vinícola tocada pelos hermanos brasileiros entre argentinos. Nesta entrevista, exclusiva para a Muito, Euclides diz que os vinhos podem até ser elaborados em solo argentino, mas a pegada do sabor tem segredo brasileiro.

Como é que um grupo de brasileiros vai para a Argentina produzir vinho?
Tudo começou em 2004, com  o convite de um amigo para adquirir terrenos na Argentina. As terras estavam muito baratas. Surgiu, então, o interesse por terrenos que tivessem uvas. Nem  passou por nossa cabeça fazer isso no Brasil, porque produzir  vinhos no Brasil é muito caro. Refizemos o vinhedo, duplicamos a capacidade, fizemos sistema de irrigação por gotejamento, proteção antigranizo, demos uma arrumada. Era a Finca Don Otaviano. Agora, depois que construímos a vinícola, passou a ser Don Otaviano Bodega y Viñedos. Somos os únicos brasileiros  na Argentina com vinhedo e vinho.

Como é seu  trabalho na vinícola?
Sou o diretor técnico. Vou lá, pessoalmente, duas ou três vezes por ano. Usualmente, na colheita e na determinação do vinho seguinte. Faço a degustação, escolho as uvas. Como a maioria dos vinhos que produzimos vem para o Brasil,  dou um gostinho  brasileiro, um toque de cabernet sauvignon, mesmo quando se trata de um malbec.  
Como é esse gostinho brasileiro?
É não ser só frutado, ter um toque apimentado ou de vegetal. Como a malbec pura é só fruta, ponho algo ali, um sabor abrasileirado. 

O que é o vinho para você?
O vinho é, antes de tudo, uma bebida que não se limita às suas condições de gosto, cheiro e sabor. Há por trás dele uma tal carga de civilização que o faz ser, ao mesmo tempo, uma bebida e um tema. Em geral,  destilados são bebidas individualistas; mas fermentados, como o vinho, são  agregadores. O vinho tem uma tal carga de história que o faz ser  quase um meio de comunicação. 
Mas, no Brasil, o vinho também parece intimidar as pessoas...
Poder aquisitivo, poder aquisitivo... o vinho ainda não é uma bebida para o brasileiro. O Brasil tem um poder aquisitivo médio baixíssimo... O vinho é um bem superior, do ponto de vista da economia. Ele só passa a fazer parte de seu portfólio quando você aumenta de renda.

Então, não se trata apenas de uma questão cultural, como muitos  dizem...
Não, não. Claro que na região Norte, por exemplo, o clima não puxa pela bebida como no Rio Grande do Sul, com as temperaturas da Serra Gaúcha. Nesse último caso, além do clima, há o poder aquisitivo para  beber um vinho fino, de qualidade.

 

(Leia entrevista na íntegra na edição deste domingo)

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