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Perto do fim da "novela Lei de Meios", Estado se sai melhor que Grupo Clarín em audiência pública

Depois de dois dias de audiência pública na Corte Suprema, a batalha judicial sobre a aplicação da LSCA (Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual) – a Lei de Meios – está perto de chegar ao fim. Hoje a norma está vigente, mas o máximo tribunal da Argentina deve ainda se pronunciar sobre a constitucionalidade de quatro artigos fundamentais para a reconfiguração do espectro radioelétrico do país.

Nesta etapa do processo, a defesa do Grupo Clarín construiu seu argumento central na premissa de que os meios do grupo só podem fazer “jornalismo independente” com o tamanho atual e que, ao reduzir a quantidade de licenças e a escala da empresa, seria impossível investir em novas tecnologias e, por fim, subsistir.

Em 2007, o ex-presidente falecido Néstor Kirchner aprovou em seu último dia de mandato a fusão entre Cablevisión – empresa de TV a cabo cujo Grupo Clarín é acionista majoritário com 60% – e Multicanal. A empresa passou a ter hegemonia sobre o mercado do ramo. Outra norma aprovada por Néstor Kirchner, em 2005, o Decreto 527/05, suspendeu a concessão de licenças de rádio e TV por dez anos na Argentina, o que também beneficiou as empresas de comunicação que já existiam, entre elas o Grupo Clarín.

Leia mais: “Grupos de comunicação não cumprem a lei na Argentina”, diz especialista em regulação da mídia

Ao indagar se antes dessas normas a sustentabilidade do grupo estava afetada, a Corte Suprema desmontou a defesa, que conseguiu ir muito pouco além de “o modelo de negócios anterior era diferente” e que “a longo prazo a empresa não poderá subsistir em um mercado de convergência” por conta do investimento em novas tecnologias. Erro aí. A LSCA não trata de convergência – é inclusive um dos pontos lembrados pelos críticos mais ferrenhos da norma, como o semiólgo Eliseo Verón, que em sua apresentação como amicus do Grupo Clarín disse que a LSCA “já era obsoleta no dia em que foi publicada no Boletim Oficial.”

Agência Efe

Audiência pública foi acompanhada com grande atenção pela população argentina

Neste ponto, a Corte lembrou que o investimento em novas tecnologias não era um aspecto relacionado com a LSCA e, a partir daí, os argumentos do grupo se desmantelaram. Várias vezes a defesa foi chamada a observar a pergunta. Gaguejaram e passaram a palavra entre si em meio a claras dificuldades para apresentar seu ponto de vista com coerência.

Estado

Do lado do Poder Executivo, a realidade foi outra. Das 36 perguntas respondidas à Corte Suprema – 19 a mais das que foram feitas ao Grupo Clarín -, a equipe de defesa foi segura e mais articulada. Falhou uma vez, quando perguntada sobre distribuição de licenças a meios de comunicação comunitários, prevista pela lei. Não soube responder à Corte quantas haviam sido repartidas, o que confirma as críticas sobre a lei, apesar de vigente, não ser aplicada no que se pode.

A defesa foi sábia. Diferenciou valor simbólico e valor de mercado para argumentar sobre por que era necessária uma lei de regulação da mídia quando já há uma lei de regulação de mercado. Também definiu a licença como privilégio, no sentido de que é uma concessão pública e que não gera direitos adquiridos, o que vai em concordância com o segundo parágrafo do artigo 48 da lei, um dos quatro questionados pelo Grupo Clarín. No entanto, argumentou que não pode ser retirada sem um devido processo administrativo, ou seja, anulou o argumento de que a LSCA permitiria a governos autoritários a retirada de licenças a meios de comunicação opositores. 

O Poder Executivo Nacional fez uma defesa técnica, com solidez, ao responder as perguntas da Corte Suprema. Ao defender a regulação sobre o sistema de TV a cabo, lembrou que, na prática, a hegemonia da Cablevisión no mercado impede o acesso a sinais de TV aberta, uma realidade na Argentina. À diferença da Capital Federal e sua região metropolitana, muitas localidades do interior do país só têm acesso a alguns sinais de TV aberta por meio do serviço de televisão paga, a cabo, mercado no qual o Clarín é hegemônico.

Também sobre o artigo 45 da LSCA, foco principal do embate, a defesa do Estado foi técnica e melhor que a do Grupo Clarín. Quando convidada a explicar o limite de 35% do mercado nacional para a prestação de serviços, a equipe de advogados lembrou, sem repetir a diferença entre uma regulação simbólica e de mercado, o que parece óbvio: 35% de participação, principalmente em um setor estratégico, é um valor muito elevado.

Debate pendente

“Na Argentina existem somente 40 canais de TV aberta, por isso 85% das casas estão conectadas a algum sistema de TV a cabo, senão não podem ver televisão. No país inteiro, apenas em sete cidades há uma oferta maior que um canal de TV aberta. O Grupo Clarín domina o mercado de TV a cabo e faz uso dessa posição dominante. Tem uma política de preço predatória: cobra muito caro onde não tem concorrência e muito abaixo do custo do serviço onde tem”, explica a Opera Mundi o especialista em regulação da mídia Santiago Marino.

Não há no país hoje regras claras sobre pauta oficial. A distribuição de publicidade, fonte importante desde a estatização da Aerolíneas Argentinas e de 51% da petrolífera YPF, como lembra Marino, fica a critério do governo.

A forma como meios de comunicação comunitários se sustentariam em um cenário de aplicação plena à LSCA também é uma conta pendente. “Há uma reação analógica à LSCA no setor de meios comunitários. Todos querem uma licença porque durante 30 anos não tiveram nada. Acho que seria uma solução combinar o acesso a recursos como publicidade oficial ou planos de fomento por concurso a uma estratégia de transmissão em rede, com mecanismos de integração dessas organizações, vínculos com sindicatos para ver se é possível remunerar os profssionais que vão trabalhar aí”, explica Marino. “Não é simples. Deveríamos estar discutindo isso há quatro anos, mas estamos falando do artigo 161”, reclama.

O Grupo Clarín questiona na Justiça a constitucionalidade do artigo 41, que regula a transferências de licenças, do 48, em seu segundo parágrafo, que determina que não se pode alegar “direitos adquiridos” para manter licenças que excedam o limite estipulado pelo artigo 45, e do artigo 161, que estipula o prazo para adequação dos grupos de comunicação à LSCA.

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