Marcos Troyjo

05/02/2015 - 08h54

A História e a Geografia deixaram a impressão de que Brasil e Estados Unidos sempre gozariam de enorme liderança e influência sobre a América Latina. O Brasil permaneceu política e territorialmente “uno” após a independência. O legado colonial espanhol se estilhaçou em várias repúblicas. A escala da economia brasileira, comparada à dos vizinhos, bem como sua enorme área e população, também convidam à ideia de uma liderança natural. Já os Estados Unidos, com sua dramática ascensão econômica ao longo dos séculos 19 e 20, e a elevação ao status de superpotência com o fim da Segunda Guerra Mundial, tinham na América Latina seu “hemisfério”. Quantas vezes se ouviu que a região era o quintal de Washington?

No entanto, o Fórum China-Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), realizado em janeiro de 2015, em Pequim, formaliza a progressiva diminuição da importância do Brasil e dos Estados Unidos para a América Latina. Cada vez mais, a China emerge como a principal referência geoeconômica de países como Argentina, Venezuela e Equador – que o Brasil e os Estados Unidos acreditavam compor sua preponderante esfera de projeção de negócios. Xi Jinping acena com investimentos de US$ 250 bilhões para a região nos próximos dez anos. Sugere que seu comércio com a América Latina alcançará meio trilhão de dólares em 2025.

Nicolás Maduro, em meio à pindaíba venezuelana, saiu de Pequim com cheques que somam US$ 20 bilhões. Rafael Correa voltou a Quito trazendo no bolso US$ 7,5 bilhões em empréstimos e linhas de crédito. Ademais, o presidente equatoriano asseverou no Fórum, para regozijo de representantes dos 33 países da Celac e anfitriões, que a equação “financiamento chinês x commodities latino-americanas” é de “importância geoestratégica”. Mesmo que os Estados Unidos quisessem, hoje é inimaginável competir com a irrefletida fascinação que a América Latina nutre pela China. Além disso, a atual governança norte-americana impede a reedição de empréstimos ou outros compromissos governo a governo, comuns durante a excepcionalidade da Guerra Fria.

Mas o maior símbolo de “satelitização” de um país latino-americano à China se dá, agora, com aquele que sempre foi considerado o grande ponto focal da política externa brasileira: a Argentina. No apagar das luzes de 2014 – e, segundo o chanceler Héctor Timerman, para não chegar de mãos abanando ao encontro da Celac na capital chinesa –, o Senado argentino aprovou um ambicioso tratado sobre investimentos industriais e infraestrutura. O acordo oferece a Pequim acesso prioritário a energia, mineração, transporte, agropecuária e outros setores-chave na Argentina. Muitos desses negócios serão fechados quando Cristina Kirchner realizar a visita de Estado a Pequim, em março próximo. Isso se dá sem qualquer coordenação com Brasília e em detrimento do interesse de empresas brasileiras. Ao contrário do que o Brasil elege como estratégia econômica externa – a negociação a partir do Mercosul e a tolerância a melindres argentinos –, Buenos Aires está alçando voo solo com os chineses. Com isso, dilapida ainda mais o sonho brasileiro de liderança regional.

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