Para Diego Armando Maradona, é pouco provável que Joseph Blatter consiga concluir o seu quinto mandato na FIFA, para o qual foi eleito recentemente. A opinião vem de alguém que prometeu enfrentar apaixonadamente a Cosa Nostra do futebol mundial, e que o vem a fazer há 25 anos.
Em 1990, após a derrota Argentina para a Alemanha na final da Copa do Mundo, o baixinho Diego, com seus 1,67 m de estatura, desafiou os 1,90 m de João Havelange, negando-lhe um aperto de mão diante de 800 milhões de telespectadores.
Um gesto inédito nesse mundo do futebol que recém entrava, em 1990, na sua fase de globalização. Mais que isso, foi uma atitude quase heroica.
Até então, nenhum jogador tinha desafiado dessa maneira o poder da FIFA, que se agigantava cada vez mais, graças às transmissões televisivas, os seus acordos comerciais com a Coca-Cola, com a Nike, os seus negócios obscuros e a sua convivência com os mais importantes chefes de Estado.
Neste fim de semana, Maradona voltou a atacar Havelange, como nos velhos tempos. Mas desta vez foi mais enfático ao falar de Joseph Blatter, o atual presidente e herdeiro político de Havelange.
Reeleito na sexta-feira passada (29/5), no meio desse escândalo de corrupção sem precedentes, Blatter inicia o seu novo mandato político fisicamente debilitado, segundo o ex-jogador.
Blatter está “muito velho”, e aferra-se ao poder com uma teimosia própria de alguém que aparenta “não estar bem” psicologicamente, disparou Maradona.
Blatter está “muito velho”, e aferra-se ao poder com uma teimosia própria de alguém que aparenta “não estar bem” psicologicamente, disparou Maradona, com o seu estilo direto e um pouco indigesto para a etiqueta do futebol global.
Nas entrevistas divulgadas pelos média argentinos, Diego considerou que Blatter terá dias difíceis e que o seu destino é incerto, pois o FBI provavelmente não o deixará em paz.
“Esse sujeito (Blatter) utilizou o futebol para fazer negócios, mas isso agora acabou, porque chegou o FBI, e o FBI não se dedica a investigar roubos de bicicletas, eles se metem quando há milhares de milhões de dólares em jogo”, disse o ex-camisa 10 da seleção argentina, em debate com o jornalista uruguaio Víctor Hugo Morales, no qual concordaram que o mais provável é que as investigações continuem, e novas denúncias sejam reveladas.
“Joseph Blatter não vai aguentar (o mandato inteiro como presidente da FIFA), é impossível que se mantenha no poder tendo toda a Europa contra ele” sentenciou Morales.
Irreverente, o maior jogador argentino de todos os tempos declarou estar “pronto para entrar em campo”, em referência à sua batalha constante contra “os ladrões do futebol, como Blatter”, que controlam o desporto a nível planetário.
“É um absurdo que esse homem, esse ditador, possa permanecer” no comando da entidade até 2019, lamentou Diego, lembrando que as denúncias contra a entidade que ele comanda “são inaceitáveis em qualquer país democrático, e na ONU”.
“A FIFA odeia o futebol e a transparência… temos de recuperar o futebol de verdade” sintetizou o argentino, nascido na favela de Villa Fiorito, que fez campanha a favor do príncipe jordaniano Ali Bin Al-Hussein, derrotado por Blatter na semana passada. O “Pibe”, como é conhecido, prometeu que se algum dia fosse chamado para trabalhar na FIFA, o seu trabalho consistiria em construir campos de futebol para crianças pobres, dando como exemplo o Haiti e regiões mais remotas do interior da Argentina.
Devido à sua guerra contra a máfia que tomou conta da FIFA, Maradona tem sido excluído sistematicamente das grandes cerimónias, geralmente montadas com um típico mau gosto hollywoodiano. “Estou há quase 30 anos a fazer isso (denunciar a FIFA)… todos sabem, e no começo muitos não queriam acreditar” nas acusações.
Clinton e Kissinger
Maradona sempre acusou, e continua a acusar os chefes da FIFA, especialmente João Havelange, de ter organizado uma conjura para excluí-lo da Copa do Mundo de 1994. Naquele ano, Havelange já tinham em Blatter a sua mão direita dentro da entidade.
Quando o jogador argentino denunciou os dirigentes mais altos da FIFA, os principais líderes internacionais fizeram-se de desentendidos. Importantes chefes de Estado simplesmente omitiram-se diante das acusações, e pactuaram com Havelange, Blatter, Ricardo Teixeira e Julio Grondona, entre outros chefões da bola.
Alguém acha, por exemplo, que os resultados dos Mundiais de 2002 (especialmente a chegada da Coreia do Sul às semifinais) e de 1994 estão completamente livres de suspeitas?
Alguém acha, por exemplo, que os resultados dos Mundiais de 2002 (especialmente a chegada da Coreia do Sul às semifinais) e de 1994 estão completamente livres de suspeitas?
Seria recomendável seguir o conselho da presidente Dilma Rousseff, que aceitou que se investigue o ocorrido no Mundial de 2014, mas propôs que também façam o mesmo com os mundiais anteriores.
Um dos mais escandalosos foi, sem dúvida, o mundial de 1978, sob o comando do ditador Jorge Rafael Videla e com a cumplicidade de Henry Kissinger (chefe do Departamento de Estado dos Estados Unidos) e João Havelange, que foram convidados de honra nas tribunas dos estádios argentinos, enquanto o país sofria com o genocídio que deixaria mais de 30 mil desaparecidos.
Curiosamente, Kissinger e Havelange voltaram a estar juntos na tribuna do estádio de Chicago, em 1994, dessa vez acompanhando Bill Clinton, na partida inicial da Copa, que seria conquistada pelo Brasil de Romário, a grande estrela daquela seleção, com Maradona a ser expulso do torneio por um suposto consumo de efedrina.
“Cortaram as minhas pernas” disse o astro argentino, na coletiva de imprensa dada pouco depois de anunciado o laudo do laboratório e a decisão da FIFA de impedir a sua continuidade no torneio – que chegou ao ponto de os Estados Unidos lhe retirarem o visto para entrar no país, o que foi um evidente castigo político à sua rebeldia.
“Investigar os meios de comunicação ligados à FIFA”
Durante o Mundial de 2014, Maradona pediu insistentemente o fim do reinado de Blatter, além de denunciar as quantias volumosas embolsadas pela FIFA com o evento, durante o programa De Zurda, também junto com seu amigo Víctor Hugo Morales. Maradona e Morales começaram a conduzir De Zurda (“De Canhota”), programa emitido pelo canal internacional TeleSur, durante o torneio, e logo iniciaram a segunda temporada este ano, visando a Copa América do Chile, que começa daqui a duas semanas.
Morales é autor do livro “Mentime que me gusta” (“Mente que eu gosto”), lançado este ano, no qual desconstrói as operações de intoxicação informativa montadas pelo grupo Clarín, equivalente argentino das Organizações Globo.
Para Morales, a “comoção mundial” causada na semana passada devido às detenções dos hierarcas da FIFA é animadora. Porém, ele prefere conter um otimismo maior, pois alerta que “não se deve perder de vista que é preciso investigar as manobras dos meios de comunicação privados”.
“É bem possível que os grandes conglomerados mediáticos estejam implicados com as máfias que subornaram e lavaram dinheiro”, disse Morales.
Morales falou das conhecidas relações entre o Grupo Clarín e a produtora TyC (Torneos y Competencias, ou “Torneios e Competições”), que está a ser investigada agora pelo Departamento de Justiça dos EUA.
Clarín, TyC e Julio Grondona, ex-presidente da Associação de Futebol Argentino (AFA), formaram a troika que controlou o negócio futebolístico no país durante muitos anos.
O FBI está a investigar Joseph Blatter, mas também deveria investigar o Grondona” afirmou Maradona.
Falecido dias depois do fim do Mundial de 2014, Julio Grondona foi um personagem próximo a Blatter e também ao próprio João Havelange. O chefão do futebol argentino manteve-se no poder desde a ditadura de Videla até o governo de Cristina, entre 1979 e 2014, 35 anos de mandato que o igualam a figuras como o ditador paraguaio Alfredo Stroessner (1954-1989). “Não podemos esquecer-nos, pelo amor de Deus, de Grondona. O FBI está a investigar Joseph Blatter, mas também deveria investigar o Grondona” afirmou Maradona, que logo completou: “assim como Blatter levava a maleta de dinheiro para Havelange, Grondona era quem levava a maleta para Blatter (para comprar votos para as suas reeleições)”.
Morales continuou a ressaltar a dimensão política do escândalo, ao esclarecer como as grandes corporações mediáticas se comportaram antes e como se comportam agora, e mencionou o Clarín, que além dos vínculos com os negócios obscuros do futebol, que estão a ser investigados, também é responsável pelas campanhas de difamação contra o governo de Cristina Kirchner, em resposta à Ley de Medios, iniciativa que acabou com alguns privilégios dos magnatas da imprensa.
Argentina quer intervir na produtora
O governo de Cristina avalia a possibilidade de intervir na produtora privada TyC, cujos escritórios receberam uma diligência da Polícia Federal argentina na última sexta-feira (29/5), ação ligada à ordem de detenção contra três empresários argentinos solicitada pela Justiça dos Estados Unidos. A TyC, junto com uma empresa de marketing argentina, realizou negócios com a brasileira Traffic, de propriedade de José Hawilla.
Hawilla está livre graças a um acordo de delação premiada, que o levou a entregar os nomes dos argentinos buscados pela Interpol – e que consistiu também numa multa de 100 milhões de dólares.
“O Estado não se deve manter à margem desses acontecimentos daninhos, e por isso deveria pedir a intervenção judicial na empresa TyC”, declarou o ministro Aníbal Fernández, um dos homens fortes do gabinete de Cristina.
A justiça dos Estados Unidos pediu à Argentina a prisão dos três executivos acusados de pagamento de subornos para a compra de direitos de transmissão e comercialização de vários eventos futebolísticos, como a Copa América, que se disputará a partir deste mês de junho, no Chile.