Macri: um empresário no poder

Há pouco mais de um ano, com o crescimento da candidatura de Aécio Neves (PSDB/MG) nas pesquisas eleitorais, houve uma forte valorização dos papéis negociados na Bolsa de Valores de São Paulo. Agora, no vizinho argentino, o mesmo sentimento de euforia tomou conta dos investidores na Bolsa de Valores de Buenos Aires. Desde a constatação, na segunda-feira 26, de que o candidato de oposição, Mauricio Macri (34% dos votos), obteve um empate técnico com o então favorito candidato governista, Daniel Scioli (36% dos votos), as ações chegaram a subir quase 12% em apenas quatro pregões, se aproximando do nível histórico.

Por mais irracional que, às vezes, os agentes do mercado financeiro pareçam ser, a reação foi óbvia e coerente. Afinal de contas, a eventual eleição do conservador Macri representará o fim de 13 anos de populismo econômico de Néstor e Cristina Kirchner. Nascido em 8 de fevereiro de 1959, em Tandil, na província de Buenos Aires, Macri tem uma biografia que parece ter sido encomendada para um filme de longa metragem. Casou-se cedo, aos 22 anos, teve três filhos e se divorciou. Em 1991, foi vítima de um sequestro, permanecendo 14 dias num cativeiro.

Boa parte do tempo dentro de um caixão de madeira. “Não podia me mover e mal conseguia respirar”, conta Macri em seu site oficial. O candidato carrega o peso do sobrenome de uma família rica e famosa na Argentina, embora tenha um relacionamento de “amor e ódio” com o seu pai, o italiano Franco Macri, fundador de um império empresarial nos ramos de construção, automotivo, coleta de lixo, comunicação, alimentos e minérios, e fortuna estimada em US$ 800 milhões pela Forbes. Formado em Engenharia Civil, iniciou a sua carreira como analista na Sideco, de construção civil, e, em 1985, assumiu a gerência geral da Socma, do setor automotivo.

Após o traumático episódio do sequestro, tornou-se vice-presidente da Sevel, empresa do ramo automotivo que faz parte do Grupo Macri. A empresa sofre acusações de realizar manobras fraudulentas no comércio de autopeças com o Uruguai. Embora tenha sido preparado para assumir os negócios da família, Macri nunca recebeu o aval do pai, que o incentivou a entrar na política e no futebol no começo da década de 1990. Nesses aspectos, as comparações com Silvio Berlusconi, ex-primeiro-ministro italiano, são inevitáveis.

Os dois são empresários, ricos, conservadores e comandaram clubes de futebol – Milan e Boca Juniors. No comando da agremiação mais popular da Argentina, Macri ganhou 17 títulos em 13 anos, incluindo dois mundiais de clubes. Sua gestão no futebol, no entanto, foi cercada por desafios. No início, sofreu a oposição de ídolos como Diego Maradona e Claudio Caniggia, que o consideravam um “playboy”. O seu principal acerto foi a contratação do técnico Carlos Bianchi, que levou o clube às glórias. Macri também criou um fundo de investimentos e adotou práticas gerenciais no Boca Juniors, que ajudaram a equilibrar as finanças do clube.

O seu sucesso no futebol lhe proporcionou popularidade e uma vaga de deputado, em 2005, marcando o início de sua carreira política. Dois anos depois, foi eleito prefeito de Buenos Aires e reeleito, em 2011, com 64% dos votos. A vitória acachapante comprovou o êxito de sua gestão pública, enfrentando os interesses de sindicatos ligados ao funcionalismo. Para tentar angariar maior popularidade, Macri seguiu a orientação dos marqueteiros e mudou o visual: está sem bigode e aboliu o uso do terno e gravata. No jogo de xadrez político, o conservador conseguiu articular uma aliança com a eterna candidata centro-esquerdista Elisa Carrió e o senador radical Ernesto Sanz.

Para adaptar sua plataforma eleitoral aos aliados de última hora, Macri adotou um discurso mais ao centro, posicionando-se contra a privatização da companhia área Aerolíneas Argentinas e da petrolífera YPF. No plano macroeconômico, no entanto, o empresário quer colocar um ponto final aos 13 anos de populismo, com um choque gestão privada. Isso, é claro, não significa defender publicamente o fim de programas sociais, que poderiam lhe tirar importantes votos. No dia 22 de novembro, os eleitores voltarão às urnas para definir a disputa mais apertada desde 1983, após o fim da ditadura militar.

“Quero ser presidente porque estou convencido de que eu posso ajudar todos os argentinos a ter uma vida mais feliz”, afirma o candidato. O peronista Sergio Massa, que rompeu com Cristina em 2009, pode ser o fiel da balança no 2º turno. Ele obteve 21% dos votos. “A Argentina precisa de mudança, mas não de qualquer mudança”, afirmou Massa na quarta-feira 28, evitando naquele momento dar apoio a um dos dois candidatos.

“Meus cinco milhões de eleitores não são gado para serem levados de um candidato para outro.” As últimas pesquisas apontam, no entanto, que os seus eleitores tendem a votar contra Scioli, o candidato de Cristina. Enquanto o peronista não toma uma decisão final, os credores internacionais, que receberam um calote de Cristina, no ano passado, torcem por Macri. Os argentinos que ainda cultivam o hábito de guardar dólares debaixo do colchão para se proteger da crise, também. E a torcida do Boca Juniors grita olé...

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