Julián Fuks escreve sobre a Ditadura Argentina

«A Resistência», de Julián Fuks, é uma das apostas da Companhia das Letras em fevereiro. «O narrador aprendeu com a psicanálise que a resistência pode ser o lugar onde emerge o que não se quer admitir ou enxergar. Daí a necessidade de não ceder diante dela. Ali, justamente, é onde se deve insistir. A literatura muitas vezes é a forma dessa insistência. Mas poderíamos pensar que a literatura também resiste: ela reproduz modelos identitários, reforça posições familiares, cristalizando relatos de si.(…) O irmão é o leitor que se imagina e se teme. O leitor que se enfrenta, corajosamente, como resistência ao silêncio», escreveu o jornal O Globo.

«"Ele é adotado, foi o que eu disse alguma vez a uma prima que teimava em ressaltar como éramos diferentes, ele e eu, seus cabelos mais escuros e encaracolados, seus olhos tão mais claros. Na minha declaração não havia maldade ou despeito, eu acho, eu devia ter uns cinco anos de idade – mas, se agora me sinto impelido a me defender, talvez de fato estivesse acometido por alguma crueldade inocente, que até hoje trato de velar. Estávamos num carro dirigido pelo meu pai, e minha mãe só podia estar ausente porque meu irmão ocupava o banco da frente, não sei se acompanhando a conversa ou perdido em pensamentos insondáveis. Fez-se um silêncio imediato. Posso ter levado um cutucão discreto da minha irmã, que imagino sentada ao meu lado, ou a pontada foi apenas o incômodo que senti ao perceber que havia errado, incômodo que tantas vezes senti sem que ninguém me acotovelasse. Tão contundente foi aquele silêncio que dele me lembro até hoje, entre tantos silêncios pouco memoráveis."

O ano de 1976, na Argentina, ficou marcado pelo início da Guerra Suja, período de terror protagonizado pelo regime da ditadura militar, de que resultaram, entre muitos outros horrores, centenas de crianças desaparecidas.

Na sequência do golpe militar, um jovem casal de psicanalistas decide deixar as trincheiras da resistência e exilar-se no Brasil, levando consigo uma criança que adoptaram entretanto.

Em terras brasileiras, o primogénito adoptado ganha irmãos. À medida que cresce a família, complicam-se as relações e adensa-se o mistério da identidade do primeiro filho.

Cabe a Sebastián, o filho mais novo do casal e narrador desta história, tentar compreender e reconstruir o passado da família para poder reescrever o seu futuro.

Numa poderosa autoficção, Julián Fuks, jovem autor multipremiado, serve-se de palavras aparentemente simples e directas para reconstruir o complexo passado íntimo de uma família e de um país. Uma narrativa singular e engenhosa, em que emoção e inteligência andam de mãos dadas, em que facto e ficção não são exactamente o que aparentam.
 
"Não sei bem se escolhi meu tema ou se fui escolhido por ele. Muito antes de arriscar a primeira linha já sabia que um dia teria que escrever este livro, já ouvia os sussurros da história, já compreendia que tarefa era a minha."»

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