Argentina inicia maior julgamento de ‘guerra suja’ da ditadura militar

Ativistas diante da corte argentina, nesta quarta, com foto de Rodolfo Walsh, jornalista que desapareceu durante o regime militar (Reuters)

Milhares de pessoas (como Rodolfo Walsh, em foto carregada por ativistas) desapareceram no regime argentino

A Justiça argentina deu início nesta quarta-feira a audiências do maior julgamento de crimes cometidos durante a chamada "guerra suja", entre 1976 e 1983, no regime militar do país.

Sessenta e oito ex-oficiais enfrentam quase 800 acusações de sequestro, tortura e assassinato associadas à escola naval de elite do país, a Escola Mecânica da Armada (Esma), que abrigou um centro de detenção clandestino.

Entre os réus está Alfredo Astiz, conhecido como o "anjo loiro da morte", e oito pilotos dos chamados "voos da morte", em que corpos de prisioneiros políticos eram atirados de aviões no rio da Prata e no oceano Atlântico. O julgamento pode durar dois anos.

Dezenas de milhares de argentinos foram sequestrados e mortos pela junta militar que governou o país. Cinco mil deles foram detidos na Esma, em Buenos Aires. Poucos sobreviveram, e muitos corpos jamais foram recuperados.

Voos da morte

Pela primeira vez, a Argentina julgará os pilotos dos voos da morte, incluindo o ex-tenente Julio Poch, extraditado da Espanha à Argentina em 2010 após supostas confissões.

Outro réu é o ex-capitão da Marinha Emir Sisul Hess, que supostamente contou a parentes das vítimas como estas "caíam como formigas" de seu avião.

O julgamento é parte de uma série de iniciativas legais da Argentina contra militares associados à ditadura.

As iniciativas começaram em 1983, após a queda do regime, mas o presidente Raúl Alfonsín encerrou os julgamentos em 1986, argumentando que o país precisava olhar ao futuro e não ao passado.

Idas e vindas da Justiça

1976: Um golpe militar derruba a presidente Isabel Martínez de Perón

1983: Raúl Alfonsín é eleito presidente após o colapso da ditadura

1985: Gen. Jorge Videla é condenado

1986: Lei de anistia garante imunidade a militares

1990: Presidente Carlos Menem dá indulto ao general Videla e a outros oficiais

2003: Leis de anistia são revogadas

2010: Videla volta a ser condenado

Três leis de anistia a crimes cometidos na "guerra suja" foram aprovadas em 1986 e 1987. Elas foram revogadas em 2003. Desde então, diversas altas figuras do regime foram condenadas, incluindo os presidentes Jorge Videla e Reynaldo Bignone.

O general Videla já havia sido condenado por homicídio, tortura e sequestro em 1985, mas recebeu indulto do então presidente Carlos Menem em 1990.

Alfredo Astiz também foi condenado, no ano passado, por ter participado da infiltração de grupos esquerdistas e sua delação ao regime.

Maior julgamento

Outros oficiais da Esma já foram julgados previamente, mas o julgamento iniciado nesta quarta "será o maior de crimes cometidos contra a humanidade", disse à Associated Press o advogado de direitos humanos Rodolfo Yanzón.

"Há 68 réus e estimadas 900 testemunhas."

Entre as testemunhas está Graciela Palacio Lois, cujo marido, Ricardo, nunca retornou de um encontro da Juventude Peronista em 1976.

Ela se diz nervosa. "Uma coisa é olhar para eles (réus) do outro lado do vidro. Outra coisa é sentar no banco de testemunhas com eles na sua frente."

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