A autenticidade do Papa

O segredo do sucesso mediático do Papa Francisco é a sua autenticidade, considera o Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente. "Porque é que o Papa Francisco admira tanto as pessoas? É porque é autêntico. As pessoas percebem que as suas declarações brotam de um vivência muito constante", afirmou o Patriarca na Universidade Católica de Lisboa, durante a conferência "Uma Esperança Sem Fronteiras", da qual a Renascença foi uma das organizadoras.

Para D. Manuel Clemente, é também neste contexto de autenticidade que se compreende a acção do agora Papa durante a ditadura militar na Argentina. Nessa altura, Jorge Maria Bergoglio salvou várias pessoas, cujas histórias estão relatadas no livro "A Lista de Bergoglio", da autoria de Nello Scavo e editado pela Paulinas. A obra vai ser transformada brevemente em filme.

D. Manuel Clemente falava sobre o Papa a propósito da história da relação entre a fé e os direitos humanos, que antecedeu uma conversa entre o padre José Tolentino Mendonça e Nello Scavo. Durante a conversa, o autor italiano deu conta de como começou a sua investigação, na qual descobriu dezenas de casos de pessoas que foram salvas por Bergoglio. O número exacto, contudo, não se consegue determinar.

"Este é um livro de histórias e não um livro de história", diz Nello Scavo. "Ainda por cima, muitas das pessoas apanhadas eram depois pressionadas a denunciar outras para se salvar. Falei com um que foi salvo pelo actual Papa e que confessou que se tivesse sido torturado teria denunciado outras pessoas. Por isso, salvando esta pessoa, na verdade salvaram-se muitas outras", explica o autor de "A Lista de Bergoglio".

Nello Scavo fez questão de apenas incluir no seu livro casos verificáveis e de pessoas que autorizaram serem identificadas. Mas outras histórias ficaram de fora, como a de um homem que era tão parecido com Bergoglio que o então provincial dos jesuítas lhe deu a sua roupa e os seus documentos, permitindo que ele fugisse usando a sua identidade. O homem, actualmente com cerca de 70 anos, pediu para não ser identificado.

O direito à dignidade
Segundo D. Manuel Clemente, a forma natural como o actual Papa trabalhou activamente para defender os direitos humanos dos seus concidadãos resulta de uma transformação da relação entre a Igreja e a noção de direitos humanos que tem pelo menos dois séculos de história, apesar de "a generalidade das pessoas que lutaram pelos direitos humanos referirem Jesus como fonte de inspiração".

Se essa relação nem sempre foi pacífica, isso deve-se em parte ao facto de no mundo latino, que inclui Portugal, as conquistas dos direitos humanos se terem feito à custa de conflitos com monarquias que estavam muito associadas à Igreja. Porém, em simultâneo, noutras partes da Europa onde os católicos eram e ainda são minoritários, são estes que tomam a dianteira para reivindicar os seus direitos humanos.

Para Roma, a grande questão estava em tentar compaginar a noção de direitos humanos com os direitos e a liberdade de Deus e com a existência de uma verdade absoluta, para não cair no relativismo. É no Concílio Vaticano II que a questão fica finalmente resolvida para a Igreja Católica, que decreta que o reconhecimento da liberdade religiosa não põe em causa a existência da verdade, mas está precisamente radicada nela. "Pelo contrário, essa liberdade existe para que ninguém seja forçado no seu caminho em relação à verdade", explica D. Manuel, que é formado em História.

Este conceito é aprofundado por João XXIII na sua encíclica "Pacem in Terris", onde associa os direitos humanos a deveres, escrevendo, por exemplo, que existe um direito a viver com dignidade, mas que corresponde ao dever de conduzir a vida de forma digna.

D. Manuel Clemente falava no primeiro painel de uma conferência que conta ainda com a presença de Jorge Sampaio e do arcebispo maronita de Damasco, Samir Nassar, que vão falar sobre a situação na Síria.

A conferência "Uma Esperança Sem Fronteiras" é organizada pela Renascença, pela Universidade Católica, pela Fundação Ajuda à Igreja que Sofre e pela Paulinas Editora. A iniciativa assinala também o fim do Ano da Fé.

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