Que Cristina Kirchner tem alguma falha cerebral, a maioria dos argentinos sabe, mas não ousam manifestar essa certeza, porque a presidente, no começo, quando o caudilho comandava a Casa Rosada, pretendia ser uma Eva Perón. Mais do que Eva, na verdade, ela pretende mesmo é assumir o controle do governo, e se superar. Um exemplo, em abril passado, foi quando ela fez lembrar o gesto do general e ex-presidente Leopoldo Galtieri que resolveu invadir as Malvinas, em um gesto truculento com a Grã-Bretanha.
Como Leopoldo Galtieri, Cristina vai encontrar muitos problemas nos próximos dias, até porque o seu país está atolado em dívidas internas e externas. A presidente, que parece não ter qualquer receio diante da reação internacional, insiste em afirmar publicamente que sua decisão representa uma vitória, acrescentando que sua administração não está inventando nada de novo, como, por exemplo, o Brasil com a Petrobras. Inconsequente, ela é capaz de tudo para aparecer na mídia.
Mas, quando faz discurso, a presidente se considera uma líder mundial, saindo do eixo quando cita a produção petrolífera, repetindo sempre com ênfase: “Estão aí os casos de Arábia Saudita, China, México e Venezuela, entre outros. E está o caso da Petrobras, onde o estado brasileiro tem 51% das ações. Esse é o modelo que escolhemos.”
A oposição está de prontidão, a exemplo de Hugo Moyano, que lidera a CGT, pronto para um confronto com a presidente, a partir de uma greve, assim como a CTA. Os sindicalistas dizem que a presidente Cristina traiu a política econômica de seu antecessor e marido, e os sindicatos afirmam que só dessa forma poderão compensar as perdas de poder aquisitivo causadas pela inflação. Não é só isso, ela sustenta que não existe uma escalada inflacionária, mas os economistas, associações de defesa dos consumidores e sindicatos afirmam o contrário e estão dilacerados.
Os argentinos já estão conscientes que o pior ainda está para acontecer, diante de um governo que está naufragando dia após dia.
Sem dúvida nenhuma, o cenário é difícil, e, para constatar, as emissoras de televisão transmitem para o mundo que vários voos entre a Argentina e o Brasil foram cancelados na terça-feira, depois da greve dos trabalhadores, inclusive as companhias LAN, Austral e Aerolíneas Argentinas também estavam sem decolar. Os aeroportos e bancos não funcionaram, aumentando ainda mais o caos, e, para completar, as estradas que abrem passagem pela capital ficaram com o trânsito interrompido, e os trens que ligam a periferia ao centro não estavam funcionando.
Ainda na noite de terça-feira, a presidente reiterou que a extorsão política teria como objetivo pressionar e também ameaçar o governo: “Não falamos sobre piquetes, falamos sobre o assédio e a ameaça que fazem ao país. Vou aguentar o que tiver de aguentar. Não vão me afastar em razão das ameaças de gangues e bandidos”.
Na Argentina, já está bem claro que a presidente continua com a determinação pública de entrar seja em qual for a encrenca política, interna ou externa – tudo vale para uma briga qualquer. Há poucos meses passados, alguns psiquiatras chegaram à conclusão que ela está sempre disposta a entrar em muitas confusões. Uma delas foi na emissora C5N, em um programa de TV do jornalista argentino Marcelo Longobardi, que estranhamente saiu do ar quando exibia ao vivo uma série de entrevistas com pessoas que criticavam o governo de Cristina.
Em fevereiro passado, Cristina Kirchner, ao saber da presença do príncipe William, herdeiro do trono britânico, em um treinamento de seis semanas nas Ilhas Malvinas ou Falklands, interpretou a ocupação como uma militarização do Atlântico Sul, mais uma vez e, por isso mesmo, instruiu o seu chanceler a denunciar ao Conselho de Segurança da ONU e à Assembleia-Geral essa militarização.
Mas, como as forças armadas argentinas são obsoletas, fica difícil o confronto com a Inglaterra, que enviou para as Malvinas o destroier HMS Dauntless, o que a Argentina considerou uma provocação, levando a presidente a fazer um manifesto. Como não existe a menor possibilidade de a Argentina enfrentar os ingleses, Cristina, depois de uma cirurgia que seria de muito risco, que a levou a se isolar durante algumas semanas, emergiu, agora, sob o pretexto de criticar o maior inimigo, a Grã-Bretanha, por ter conduzido seu país a uma derrota depois da insanidade do então general Galtieri, ditador à época, que fez um discurso depois de beber uma garrafa de uísque, convocando os argentinos a fazerem uma declaração para retomar as Malvinas – que para 10 de cada 10 argentinos têm certeza de que são deles.
A verdade é que a Cristina Kirchner continua com a fama de ser boquirrota, entrando sempre em cena. Seja na Inglaterra, no Irã ou até mesmo nos Estados Unidos, quando a sabedoria é grande demais acaba engolindo o dono, ou, no caso, a dona da Argentina, sem dúvida nenhuma.
Para o analista político Rosendo Fraga, de Buenos Aires, Cristina segue a linha de seu ex-marido Néstor Kirchner: “Ela ainda mantém um férreo controle sobre o Congresso e o emprego dos recursos do Estado que lhe permite influir na política. Embora as eleições legislativas de outubro pareçam muito distantes, são a meta para a qual se dirigem as ações políticas de hoje, tanto na situação como na oposição”.
Rosendo Fraga ressalta que os cincos mandatos concluídos foram de presidentes de origem peronista, como o governo de Cristina, embora, aparentemente, ela queira transformar essa força política em uma espécie de coalizão de centro esquerda, e acrescenta: “Portanto, o peronismo é um problema para ela, como mostra a greve, mas também pode ser a solução. A próxima batalha ocorrerá com o Grupo Clarín – no dia sete, Cristina avançará com sua controvertida lei de mídia”.