Empresário de centro-direita, que venceu pela margem mínima o candidato apoiado por Kirchner, já está a enfrentar problemas na transição
Quando Maurício Macri foi convidado para um encontro com a presidente argentina, Cristina Kirchner, dois dias após ter derrotado o candidato peronista que ela apoiava, pensava que ia começar a tratar da transição de poder. Afinal, toma posse já no dia 10 e o país tem de continuar a andar independentemente das cores políticas. Mas Macri saiu da reunião desiludido: "Não valeu a pena", disse aos jornalistas. Um mau augúrio para o futuro presidente que, sendo o terceiro não peronista eleito desde o fim da ditadura (1983), quer ser o primeiro a conseguir acabar o mandato.
Na Argentina, mais do que falar de esquerda e direita (metade dos argentinos não sabe como distribuir os partidos dessa forma), a distinção é entre ser peronista ou não. O peronismo é um movimento que surgiu nos anos 1940 ligado a Juan Domingo Perón, eleito presidente em três ocasiões. "A ideologia é irrelevante. O peronismo já foi de direita com Carlos Menem e de esquerda com os Kirchner", disse o politólogo argentino Andrés Malamud, professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
"O típico espectro político é esquerda e direita, mas na Argentina há uma segunda dimensão: alto ou baixo, referente ao nível de sofisticação autodefinida. Os baixos têm orgulho em sê-lo, em ser nacionalistas e populares - são os peronistas. Os altos, não peronistas, em ser civilizados, refinados, cosmopolitas", referiu o investigador.
Macri, um empresário de 56 anos que fundou o partido Proposta Republicana (PRO) no rescaldo da crise económica de 2001, vem claramente do não peronismo. "Mas é popular, porque esteve à frente do clube de futebol mais popular na Argentina, o Boca Juniors", lembra Malamud, comparando-o nesse aspeto a Sílvio Berlusconi. A diferença é que o italiano deu o salto do futebol diretamente para a presidência, enquanto o argentino esteve durante oito anos à frente do governo da Cidade Autónoma de Buenos Aires.
Centro-direita e radicais
"Macri vem da direita, é verdade, mas pelo caminho moderou-se e liberalizou-se", disse o investigador, referindo-se, por exemplo, à mudança de discurso sobre nacionalizações. Se no passado as criticou, na campanha disse que iria manter no Estado a companhia aérea e a petrolífera YPF. "Macri é agora centro--direita moderado, aliado com um partido da Internacional Socialista", indicou Malamud, referindo-se à União Cívica Radical que faz parte da aliança Cambiemos (Mudemos).
"O PRO é metropolitano, o radicalismo é forte nas províncias do interior. Dos 20 ministros, quatro são radicais. Mais do que ideologia, o radicalismo oferece o apoio do interior", disse. Os radicais Raúl Alfonsín e Fernando de la Rúa foram os únicos dois presidentes não peronistas da Argentina. Mas nenhum deles terminou o mandato (ver caixa).
O investigador argentino considera que Macri tem tarefa ainda mais complicada, já que não tem maioria nem no Congresso nem no Senado (onde os peronistas têm até maioria absoluta). "A única maneira de passar leis será jogar com a divisão do peronismo e fazer alianças", indicou Malamud, lembrando contudo que o Senado não é um obstáculo insuperável. "Os senadores dependem dos governadores das províncias, os governadores dependem do dinheiro e o dinheiro vem do poder central. Macri decide se dá ou não dinheiro. Poderá sempre "comprar" o Senado", explicou.
Dúvidas económicas
"O nível de desinformação é bastante peculiar", disse Macri aos media, queixando-se da forma como está a decorrer a transição. A sua equipa acusa mesmo o governo de estar a pôr entraves, já que os ministros atuais só se vão reunir com os sucessores após a tomada de posse.
O problema é que Macri não sabe o que vai encontrar a nível económico, já que há anos que não há estatísticas credíveis. Por exemplo, oficialmente a inflação é 11,9%, mas a oposição teme que supere os 25% - e vai piorar se Macri acabar com o controlo de capitais. Isso pode desencadear um movimento nas ruas (passada a "lua-de-mel"), não ajudando o facto de ter derrotado Daniel Scioli apenas por 2,6 pontos.
A nível internacional, a sua primeira visita será ao Brasil (principal parceiro económico), mas a guerra diplomática já está comprada com a Venezuela - daí também o epíteto que é de direita. Macri disse que vai solicitar ao Mercosul a aplicação da cláusula democrática "pelos abusos na perseguição aos opositores" do governo de Nicolás Maduro (que arrisca perder a maioria na Assembleia nas eleições de 6 de dezembro). Tal pode resultar na suspensão da Venezuela do grupo.