Em 1º de maio de 1865, em Buenos Aires, na morada do presidente Bartolomé Mitre, Francisco Otaviano de Almeida Rosa, pelo Império; Rufino de Elizalde, pela Argentina; e Carlos de Castro, em nome de Venancio Flores, firmaram o Tratado da Tríplice Aliança. A participação oriental no pacto era ornamental: o próprio exército uruguaio foi constituído em boa parte com soldados mercenários, argentinos e imperiais e, mais tarde, prisioneiros paraguaios. Entre os poucos presentes à assinatura do Tratado estava Justo José de Urquiza, com quem Francisco Solano López contara como aliado na guerra ao Império e à Argentina.
Mário Maestri
Indiscutível penumbra encobre ainda o nascimento do diploma secreto que pariu a Tríplice Aliança e determinou profundamente a longa guerra contra o Estado paraguaio e as nações beligerantes. Sobretudo, as reconstituições historiográficas tradicionais não explicam a conclusão de pacto de tamanha importância, em apenas duas semanas, entre dois tradicionais inimigos, sem que chegassem instruções precisas do governo imperial!
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Após a invasão paraguaia do sul da província de Mato Grosso, em fins de dezembro de 1864, o governo imperial enviara Otaviano da Rosa a Buenos Aires, em substituição do visconde de Rio Branco, para obter facilidades de Bartolomé Mitre no ataque ao Paraguai. "El objeto principal de la misión de Vuestra Excelencia consiste en evitar que el gobierno argentino" estorve "la acción del Império contra el Paraguay". Em 13 de abril, a invasão paraguaia de Corrientes determinara o consenso de Mitre e a meteórica produção do acordo.
As instruções verbais recebidas por Otaviano seriam mais amplas, ainda que ele e Tamandaré tenham deliberado com amplitude sobre o Tratado. Antes dele, o visconde de Rio Branco oferecera, e Mitre rejeitara, o comando supremo das tropas, para ataque do Império e ad Argentina ao Paraguai. Como veremos, Bartolomé Mitre criara ardilosamente as condições para a ação conjunta contra o Paraguai, mas se encontrava na ocasião obrigado a manter sofrida neutralidade.
Remodelação do Cone Sul
Era enorme o alcance dos dezenove artigos do tratado. Ele pactuava o desaparecimento do governo e regime paraguaios e a ocupação do país por cinco anos. Impunha novas fronteiras; a internacionalização da navegação do Paraguai; indenização de guerra. Acordava a solidariedade, se necessário armada, após a guerra, caso alguma das exigências leoninas fosse rejeitada. Portanto, estabelecia tutela conjunta, sem data limite, sobre o país vencido. A dívida de guerra seria perdoada apenas em 1942, pela Argentina, e 1943, pelo Brasil. Caso não fosse cumprida, as duas nações podiam intervir legalmente no Paraguai.
No plano militar, o Tratado determinava sobretudo a entrega do comando supremo ao presidente da Argentina, enquanto a luta se desse nos territórios argentino e paraguaio, palco previsto dos combates. A marinha imperial ficava sob o comando do Tamandaré, muito prestigiado após o arrasamento de Paisandú, em 2 de janeiro de 1865. Até sua destituição inglória, após Curupayty, em 22 de setembro de 1866, ele pretendera abocanhar o comando supremo das tropas.
Por iniciativa argentina, formava-se a Legião Paraguaia, sob a escusa de que a guerra era contra o governo, e não contra o povo paraguaio. Sobretudo, estabelecia-se a solidariedade no combate, até a vitória final, sem negociações em separado, certamente por determinação imperial e de Pedro II. Impedia-se a anexação do Paraguai, parcial ou total, outra imposição do Império. Os portenhos sonhavam ainda com a absorção voluntária da "província rebelde".
O tratado seria ratificado em quarenta dias, em forma reservada, pelos governos, na ignorância dos legisladores dos três países. Os motivos do silêncio ajudam a compreender os objetivos da guerra. Procurava-se manter o apoio da população da Argentina, Brasil e Uruguai e mundial para luta pretensamente livrado em defesa de territórios invadidos. A decisão de conquista territorial, de imposição de instituições-governo ao país derrotado e sua manutenção como semi-protetorado, indeterminadamente, não deviam ser conhecidas. Havia uma razão secundária para se manter o segredo.
Muito Antes
Ao ser publicado o Tratado, em maio de 1866, por inconfidência inglesa, sobretudo duas questões acordadas por Otaviano motivaram duras críticas, no importante Conselho de Estado imperial [29/11/66]. Ou seja, a cessão do alto comando das tropas e, sobretudo, de desmedidos territórios à Argentina, sobretudo na fronteira brasileira. A magnanimidade trocava "un vecino relativamente débil por otro forte y ambicioso". Trataria-se da aliança "contra el Paraguay", "contra el Brasil, en provecho exclusivo de la Confederación".
Há hoje consenso que, grosso modo, o Tratado da Tríplice Aliança foi delineado, em 1º de março de 1865, oito meses antes de sua assinatura. Em 1º de dezembro de 1894, o próprio conselheiro Saraiva lembraria que discutira aliança contra o Paraguai, em 18 de junho de 1864, em Puntas del Rosario, com Rufino de Elizarde, chanceler argentino; com o caudilho Venancio Flores e com o Edward Thornton, ministro inglês em Buenos Aires.
Em Puntas del Rosario, tramou-se a liquidação do governo constitucional uruguaio e as , linhas gerais de eventual ação conjunta contra o Paraguai. Tudo antes da invasão paraguaia do sul do Mato Grosso, em fins dezembro de 1864, e da vila de Corrientes, em 13 de abril de 1865. Em junho de 1864, a diplomacia paraguaia apenas declarara seu interesse na independência uruguaia, já que a liberdade do porto de Montevidéu era garantia do livre acesso paraguaio ao mar.
Era necessário liquidar o governo uruguaio blanco e a autonomia paraguaia para impor o tacão liberal-unitário sobre as provinciais argentinas. Vitorioso apena devido à defecção de Justo José de Urquiza, em Pavón, em 17 de setembro de 1861, Mitre não tinha forças para vergar os blancos orientais e, menos ainda, a República do Paraguai. Para reinar sobre a Argentina, aceitou a intervenção do Império no Uruguai, sugerindo hegemonia compartilhada no Prata, em claro favor do Império do Brasil.
Mitre e a Tríplice Aliança
Desde sua vitória em Caseros, em 3 de fevereiro de 1852, o Estado imperial exigia que a República do Paraguai aceitasse a livre navegação do rio Paraguai, para melhor acesso ao Mato Grosso, e concedesse territórios em litígio. Após lembrar o poder da força que possuía, enviara, em fins de 1854, uma poderosa expedição naval em direção do Paraguai, que não contava com a defesa de Humaitá, fechando o caminho de Asunción.
O enorme fiasco da expedição naval deixara claro que a submissão militar do Paraguai deveria dar-se em aliança ou sob a leniência do Uruguai e da Argentina, devido às enormes dificuldades logísticas. Para atacar o Paraguai, o Império do Brasil necessitava livre acesso aos portos de Montevidéu e sobretudo Buenos Aires e direito de trânsito nos territórios argentinos e nos rios Paraná e Uruguai. Desde então, a diplomacia imperial desdobrou-se para conquistar, sobretudo, o apoio-permissão de Urquiza, no chefia da Confederação Argentina.
Bartolomé Mitre sugeriria e criaria as condições para a intervenção do Império no Uruguai e para uma aliança contra o Paraguai, a fim de que os liberais-unitários reinassem sobre a Argentina. Mas, em inícios, de abril de 1865, estava impedido de concretizar a aliança contra a república paraguaia, devido ao acordo com Urquiza de guerrear apenas contra quem invadisse os territórios argentinos, fosse o Paraguai ou o Império.
As forças federalistas argentinas eram ainda superiores às liberais-unitárias, sob o comando de Mitre. Certamente consciente do resultado de confronto com o poderoso Império, Urquiza tentara bloquear a guerra, impedindo que os exércitos imperiais e paraguaios transitassem pelos territórios argentinos. Devido a esse acordo, insistira vivamente a Solano López, por carta e através de mensageiro, que não ingressasse, em nenhum caso, em territórios argentinos. Com a invasão de Corrientes, fechava-se a armadilha preparada por Bartolomé Mitre, materializada na aliança do Império e da Argentina contra a República do Paraguai.
Artigo preparado a pedido do diário Ultima Hora, de Asunción, Paraguai.
Mário Maestri, 66, é doutor em História e professor do Mestrado e Doutorado em História da UPF, RS, Brasil. E-mail: maestri@via-rs.net