Algumas inflexões mostraram-se relevantes neste Primeiro de Maio, visto da capital alemã, onde me encontro.
1. Em termos de Europa, ficou evidente uma tendência, vinda da... Argentina! Ou seja, trata-se de uma inversão de sentido histórico, onde as iniciativas das classes trabalhadoras sempre partiam do centro hegemônico para a periferia. A tendência é a de que diante dos efeitos perversos da crise deflagrada a partir de 2007/2008, e dos planos de "austeridade" que na verdade visam a restringir o dano às classes trabalhadoras, protegendo o sistema financeiro, como no caso da Grécia, os trabalhadores passem a ocupar os locais de trabalho. Não para que eles parem, mas ao contrário, para que eles continuem a funcionar.
Muitos e muitos locais de trabalho fecharam as portas, em consequência da crise. E em muitos casos os trabalhadores se reuniram em cooperativas e compraram ou arrendaram estes "desativos" param mantê-los em operação, garantindo e até ampliando empregos.
Esta é uma tendência que começou na Argentina pré-Kirchner, e, através da Espanha, chegou ao Velho Continente, e hoje se espraia da Península Ibérica até a Turquia, envolvendo França, e Itália na esteira. Abrange atividades que vão das pequenas oficinas de conserto às indústrias têxteis, passando até por orquestras e outras áreas do lazer.
2. Em Berlim, a tradicional manifestação da DGB, a CUT alemã, privilegiou sobretudo a aplicação e ampliação da lei do salário mínimo nacional, primeira vez que a Alemanha desfruta desta conquista histórica dos trabalhadores... brasileiros, estabelecida pelos pródromos da CLT, a partir de 1931.
Os trabalhadores alemães também enfatizaram o "Gut Arbeit", que na verdade deve ser traduzido por "emprego seguro", ou seja, contra a precarização, motivada pelas diferentes formas de terceirização que aqui também ocorrem nas funções–fim.
O IG Metall, o Sinidcato dos Metalúrgicos, conseguiu importante vitórias neste sentido. Entre elas, destaca-se estender o contrato coletivo dos trabalhadores regulares aos terceirizados; obrigar os empregadores a pagar uma taxa extra a estes, pelo risco que correm, o que também contribuiu para diminuir a procura deste tipo de contratação; a luta agora em curso é para que os terceirizados tenham representantes nos Conselhos Dirigentes das empresas.
3. A manifestação da DGB ocorre pela manhã, com uma concentração na Hackeschermarket e passeata até o Portão de Brandemburgo depois. À tarde, a concentração se desloca para Kreuzberg, o tradicional bairro dos imigrantes turcos. Este ano, segundo várias fontes, esta manifestação reuniu quase 50 mil pessoas, que se espraiaram pelos bairros vizinhos. Foi a maior dos últimos anos. Muita música, muita caipirinha, mojito e cerveja. Já na manifestação da DGB apareceu uma tendência, que se confirmou à tarde: uma participação intensa de jovens, muito maior do que nos anos anteriores.
Depois desta festa, ocorre a passeata dos esquerdistas mais radicais. Em anos anteriores, a marca desta era o confronto com a polícia. Este ano isto também ocorreu, mas em intensidade muito menor.
Os "Authonomen", descendentes distantes dos anarquistas italianos dos anos 70, e inspiradores dos blackblocs brasileiros, foram claramente minoritários na manifestação, que reuniu 30 mil pessoas segundo os organizadores e 18 mil segundo a polícia.
Predominou o sentido político da manifestação, concentrado em apoio às casas para imigrantes refugiados e hoje atacadas pelos movimentos neonazis, aos "boatpeople" do Mediterrâneo, e de protesto contra o aumentos dos aluguéis em Berlim. Houve confrontos, mas menores. Houve também confrontos em Hamburgo, onde a manifestação foi menor em número.
4. Tradicionalmente, os neonazis festejam o seu Primeiro de Maio em manifestações à parte. Mas desta vez houve uma novidade. Em Weimar, um grupo de cerca de 50 jovens (entre 20 e 23 anos) neonazis interrompeu a manifestação do Dia do Trabalho promovida por partidos de esquerda e centro-esquerda, irrompendo no meio desta, em linha e de braços dados, agredindo pessoas com seus cartazes, que estavam escritos em pranchas de madeira, usadas como armas de ataque.
Houve dezenas de feridos. Vinte e nove destes jovens foram presos depois, mas teme-se que nada aconteça. Por isso, a Linke, partido de esquerda, está cobrando das autoridades uma ação judicial vigorosa contra os atacantes. Um deputado do SPD comparou a agressão àquelas promovidas pelos nazistas contra manifestações de esquerda nos anos 20 e 30.
Ça bouge, como diriam os franceses. As coisas se movimentam.