A comunicação da presidente Cristina Kirchner por meio de redes sociais como o Twitter tem gerado polêmica na Argentina e dividido opiniões dos especialistas em mídias digitais. Alguns deles a definem como "eficiente", pela repercussão que provoca nas mídias tradicionais e na sociedade. Outros a criticam por ser de "mão única", "sem direito a perguntas".
A presidente tem feito comentários sobre diferentes assuntos, nas mensagens de 140 caracteres do Twitter, e já conta com 1,5 milhão de seguidores. No fim de semana passado, ela escreveu 28 tuítes com criticas à Justiça, setores da imprensa e ruralistas.
Ela também publicou em sua página do Twitter o link para a carta que respondeu ao ator Ricardo Darín (protagonista de O Segredo dos seus Olhos, Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2010) em sua página no Facebook.
O ator havia questionado o enriquecimento de Cristina e de seu marido, o ex-presidente Nestor Kirchner, morto em 2010. A resposta da presidente gerou reações contra e a favor, transformando o episódio em um dos principais assuntos da semana no país - com destaques nos jornais, rádios e televisões, além de comentários de artistas e políticos argentinos nas redes sociais.
Assessores da presidente na Casa Rosada, a sede da Presidência do país, não deram detalhes sobre a forma de comunicação de Cristina e não responderam se ela mesma escreve as mensagens.
Pelo tom da carta a Darín, por exemplo, a imprensa local especulou que ela mesma a teria escrito. "Não sei se você sabe, mas sou uma cinéfila total", disse na missiva. Na mesma carta, ela também afirmou que "ninguém se preocupa com outras declarações de bens que não seja a dos Kirchner".
Cristina disse que somente fotografam as casas da família dela e não da oposição que vive em residências "muito maiores". "Não é estranho, Ricardo?", disse.
Unilateral
Cristina usa as redes sociais para divulgar informações de forma unilateral, escolhendo temas de seu interesse e sem responder perguntas - evitando assim temas desfavoráveis. A análise é dos especialistas Lucas Lanza, da consultoria ePolitics, especializado em redes sociais e campanhas políticas, Alejandro Prince, professor da Universidade de Buenos Aires (UBA) e diretor da consultoria Princepolls, e Vanina Berghella, professora de Comunicação Multimídia da Universidade Católica Argentina (UCA).
"De maneira cômoda, sem dar entrevistas, sem responder ou conversar, ela está marcando a pauta de discussões na Argentina. Tudo através do Twitter e do Facebook e sem responder a ninguém", disse Lanza.
Segundo ele, neste sentido, a "estratégia de comunicação" da presidente é "eficaz" porque "impacta nos meios de comunicação tradicionais", porém, com "reações negativas" nas redes sociais. "É uma comunicação de mão única e, simbolicamente, parecida à rede nacional. Mas, na cadeia nacional podemos vê-la, e no Twitter, mesmo com menor audiência (que nas TVs e rádios) provoca quase o mesmo impacto", disse.
A presidente costuma falar em redes nacionais de rádio e de televisão com frequência, mas raras vezes realizou entrevistas com a imprensa. Prince entende que o estilo "vertical" de comunicação fez do Twitter, "por sua velocidade e assimetria", o caminho digital "preferido" pela presidente.
"O uso das redes sociais dá (ao usuário, no caso a presidente) a possibilidade de mostrar uma perspectiva mais espontânea e de alguma forma mais igualitária com os cidadãos do que outros mecanismos de poder, como as cadeias nacionais", disse Prince. Para ele, os tuítes podem ser "lidos, reenviados, comentados, criticados ou não" entre os usuários da rede social.
Estilo
Para Prince, o estilo "forte" dos tuítes de Cristina é coerente com o modelo de comunicação e a forma de governar da presidente. Para Berghella, a mandatária usa suas mensagens no Twitter "para publicar tudo o que não diz em uma coletiva à imprensa".
Integrante do Foro Argentino de Jornalismo (Fopea, na sigla em espanhol), ela afirmou que a presidente emite "várias mensagens contínuas sem deixar espaço para respostas ou perguntas".
As afirmações da presidente nas redes sociais costumam ocupar as manchetes dos principais jornais impressos do dia seguinte, além de serem destacadas nas principais emissoras de rádio e de televisão do país.
Justiça
Um dos editores do jornal Clarin, crítico do governo, Ricardo Roa, disse que a presidente está "cheia de animosidade e o problema não é que se irrite, mas que se descontrole". Segundo ele, a reação da presidente a Darín indicou que "é melhor calar a boca porque (a presidente) tem a ficha de todo mundo".
Na carta ao ator no Facebook, a presidente disse que ele foi preso em 1991. "Você queria que alguém explicasse (o patrimônio dos Kirchner). Já o explicamos à Justiça. Mas você mesmo foi acusado e preso por um juiz em março de 1991 pelo delito de contrabando de uma caminhonete", disse Cristina. Darín respondeu à presidente dizendo que foi absolvido.
A polêmica continuava na última semana. Juan José Campanella, diretor de O Segredo de seus Olhos e de capítulos da série americana Law and Order, disse: "Quem critica (o governo) acaba massacrado para que ninguém mais se anime a criticá-lo", publicou em sua conta no Twitter, como destacam os sites dos jornais.