"População pensa que governabilidade é garantida pelo peronismo"

"Na Argentina, a maioria da população pensa que a governabilidade é garantida pelo peronismo", assegurou o embaixador Jorge Argüello, 59 anos e que termina as suas funções em Lisboa no final de 2015.

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No domingo, três candidatos com origem nesta "corrente política" que emergiu com os mandatos do popular ex-presidente Juan Domingo Perón, que liderou o país em dois períodos (1946-1955 e 1973-1974), concorrem à sucessão da atual chefe de Estado Cristina Fernandéz, que a partir de 2007 ocupou o lugar do seu falecido marido Néstor Krichner.

Muitos observadores têm referido a complexa situação política, económica e social do país e a "herança negativa" para o próximo ocupante do palácio presidencial -- que poderá apenas ser eleito apenas numa segunda volta já fixada para 22 de novembro --, que mereceram os reparos do diplomata face aos que "se equivocam em análises ligeiras sobre o papel do peronismo na sociedade argentina".

E especificou: "Aqui existe uma força política maioritária, popular, que perdeu eleições, o peronismo perdeu duas eleições em toda a sua história. Foi difícil para os que ganharam as eleições, e os dois presidentes distintos do peronismo que venceram as eleições não terminaram os seus mandatos [Raúl Alfonsín e Fernando de la Rua]. Não devido a um golpe militar, convocaram eleições antecipadas porque se esgotou a capacidade política".

Num regresso a um passado recente, Jorge Argüello recorda que a Argentina atravessou " a mãe de todas as crises" em 2001. "Nesse momento o país teve de declarar o incumprimento, até agora o maior de toda a história", frisou.

"A partir de 2003, que coincide com a tomada de posse de Néstor Kirchner, e até 2013, a Argentina cresceu a uma média de 7% anualmente nesses dez anos. Não há país que tenha tido um crescimento sustentável ao longo de uma década na ordem dos 7% ao ano".

Pelo caminho, o país que permanecia em incumprimento renegociou a dívida externa. "Foram duas megas reestruturações da dívida. Uma concretizada em 2005 pelo Presidente Kirchner e a segunda em 2010 por Cristina Fernandéz".

No entanto, o político e diplomata admite que o país atravessa dificuldades, e enumera dois motivos fundamentais.

Assim, o embaixador indica que "93% dos credores da Argentina" aceitaram a proposta de Buenos Aires e "estão a cobrar regularmente". Mas um primeiro motivo da crise, indica, relaciona-se com os restantes 7% do capital "que é especulativo, no mundo financeiro é conhecido por 'fundos abutre'".

"Temos um litígio com um tribunal de Nova Iorque, e que tem como consequência que a Argentina, por mais que tenha pago a 93% dos seus credores, continua sem ter acesso ao mercado de crédito internacional porque lhe falta 7%. Assim, a primeira razão é a dificuldade que a Argentina tem em aceder aos mercados de capitais internacionais".

Quanto ao segundo motivo, relaciona-o com a queda do preço das matérias-primas, e quanto a Argentina se mantém entre os cinco maiores produtores mundiais de alimentos.

Um dos fatores que terá atenuado este choque consistiu no que designou por uma "sintonia inédita entre os líderes do governo, os chefes de Estado, na América Latina", e que ocorreu na última década.

"Marcaria o início desta etapa na cimeira das Américas de Mar del Plata (2005), quando os países da América Latina decidiram rejeitar a proposta do então presidente dos EUA George W. Bush para constituir a Área de Livre Comércio Americana (ALCA). Nesse processo destacaram-se três personalidades políticas, os presidentes Lula do Brasil, Chávez da Venezuela e Néstor Kirchner da Argentina".

Apesar de as perspetivas apontarem para o regresso dos problemas económicos no sul do continente, o diplomata argentino destaca a importância do "nível de consciencialização que se registou na América Latina sobre a necessidade de definir políticas regionais, porque nunca tinha sido conseguido".

Ainda num balanço dos mandatos dos Kirchner, aponta ainda a "firmeza" demonstrada pela Argentina "para julgar e condenar de modo efetivo o terrorismo de Estado", numa referência ao período da última ditadura militar (1976-1983). Um processo que considerou um "irreversível passo em frente em termos de justiça" e "condição necessária" para a construção da paz interna.

"Nunca se tinha passado na Argentina nem no mundo desta forma. (...) Foi a justiça que se ocupou do julgamento dos responsáveis do terrorismo de Estado na Argentina", disse.

"Isto criou as bases para uma Argentina definitivamente democrática e é muito importante mencionar em relação à Argentina ou aos países da América Latina que ao longo da sua história padeceu de frequentes regimes militares".

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