Há exatos 80 anos, nascia em Mendoza, na Argentina, um menino com uma missão: fazer gols. Após crescer, ser campeão nacional com o Racing e da Copa América com a seleção dos hermanos, o destino o chamou para a cidade onde se tornaria ídolo. No verão de 1959, chegava em Roma para ser um dos mais prolíficos centroavantes da história do clube. Na sua estreia, em outubro do mesmo ano, precisou de apenas cinco minutos para marcar seu primeiro gol com a camisa giallorossa. A Roma, entretanto, deixaria a Fiorentina virar aquela partida e perderia por 3 a 1. Um presságio das dificuldades que a temporada 1959/60 traria. Campanha medíocre na Serie A, eliminação precoce na Coppa Italia, fim do sonho da Copa das Feiras e rumores de que os jogadores romanistas só estavam preocupados com a dolce vita. Em meio a tudo isso, entretanto, aquele centroavante ainda brilhava. Foram 16 gols em 24 jogos para Pedro Manfredini.
Reprodução / Twitter AS Roma
Graças a uma fotografia que deu errado, Manfredini recebeu na capital italiana o apelido de Piedone d’Oro (“pé grande de ouro”), além de ser chamado carinhosamente de ManTREdini, pelo costume de marcar três gols em uma mesma partida. Hábito que vinha de longe, pois ele garante que, nas divisões de base, havia feito mais de 300 – incluindo uma vitória por 11 a 0, com 11 gols dele. Pela Roma, chegou a marcar quatro vezes em goleadas contra os turcos do Altay Izmir (10 a 1) e os escoceses do Hibernian (6 a 0). A goleada sobre o Hibernian, aliás, foi nas semifinais da Copa das Feiras 1960/61 (atual Liga Europa), vencida pela Roma. Manfredini foi protagonista e artilheiro, marcando 12 dos 25 gols romanistas na competição.
Anos antes, entretanto, por pouco o Piedone não foi parar em outro clube italiano. Em 1955, o Racing havia sido procurado pelo Torino, mas tanto o clube quanto o jogador decidiram não prosseguir com a transação. Quando enfim foi negociado com a Roma, Manfredini soube poucos dias após seu casamento. Ele mesmo diz que foi uma confusão, mas a ambientação na Itália foi tão boa que Roma virou sua casa. Mesmo depois de deixar o clube giallorosso, em 1965, suas raízes permaneceram na capital. Ao se aposentar, anos depois, o Piedone voltou para Roma, onde mora até hoje.
Acima, um vídeo (em italiano) com momentos marcantes de Manfredini, dentro e fora de campo. Após já ter sido o melhor marcador do clube em 1959/60 e 1960/61, o argentino – que se considera italiano – repetiu a dose em 1961/62 (14 gols na Serie A) e em 1962/63, quando foi artilheiro do campeonato com 19 gols. Colecionava tentos como ninguém, tanto que encerrou a carreira com a incrível média de 0,57 por partida. Porém, após a conquista da Copa das Feiras, os títulos ainda escapavam, com quedas nas quartas-de-final da Coppa Italia, na semifinal da mesma Copa das Feiras e dois anos seguidos na quinta posição da Serie A. E então veio a temporada 1963/64.
Embora haja divergência entre fontes históricas – algumas afirmam que a rodada inteira ocorreu no dia 9 de setembro –, reproduções de jornais da época garantem que a Roma estreou na Coppa Italia 1963/64 no dia 8 de setembro de 1963. Exatamente um dia após o aniversário de 28 anos de Manfredini. Ou seja, amanhã, exatamente 52 anos atrás. Foi o início de uma campanha vitoriosa, a primeira na história do clube giallorosso. E embora o físico de Manfredini já não fosse mais o mesmo – ele viria a sofrer com lesões em seus últimos meses como romanista –, a taça não viria sem ele. Começou em uma vitória fora de casa sobre o Potenza, na qual o time jogou mal, mas venceu. Graças a ele. 2 a 0, dois gols de Manfredini.
Em seguida, veio o Napoli. Os partenopei foram batidos em Roma por 5 a 0, com uma tradicional tripletta do Piedone. Depois, a Roma eliminou o Foggia fora de casa (2 a 0) e a Atalanta em casa (1 a 0), antes de encarar a Fiorentina. Após 120 minutos de jogo contra a equipe viola, o empate em 1 a 1 permaneceu. Na disputa por pênaltis, o goleiro Fabio Cudicini, que havia feito um esplêndido trabalho durante a partida, segurando o ímpeto da Fiorentina, não apenas defendeu cobranças adversárias como converteu a sua. E Manfredini bateu cinco vezes – na época, era permitido repetir o cobrador – e acertou as cinco. 6 a 2 para a Roma e vaga na final assegurada.
Contra o Torino, que buscava o tricampeonato, não foi fácil. A final era em jogo único, em 6 de setembro de 1964, um dia antes de Manfredini fazer 29 anos. Ou seja, há 51 anos ontem. A Coppa Italia 1963/64 levou o centroavante de uma idade a outra, pronta para encher de significado os dias que precedem e sucedem seu aniversário. Entretanto, quis o destino que esse não fosse o jogo do título. Empate sem gols após 120 minutos e uma nova partida teria de ser realizada. O regulamento previa que o jogo fosse em Roma, mas o clube de Turim conseguiu levá-lo para o seu estádio. Em mau momento financeiro, a Roma aceitou a contragosto, com o acordo de que ficaria com a maior parte da renda. Já em novembro de 1964, a final foi disputada. Pelo atraso, a Roma acabou ficando sem o direito de participar da Copa dos Campeões de Copas, mas o título veio com gol de Bruno Nicolè aos 85’.
Divulgação / AS Roma
Após perder duas finais para Genoa e Venezia, anos antes, em 1964 a Roma expurgou os próprios fantasmas e ergueu a Coppa Italia. Com um grupo especial, que contava com Giancarlo De Sisti, Alberto Orlando, Angelo Sormani (que não disputou a final, pois havia se transferido para a Sampdoria), Antonio Angelillo, Fulvio Francesconi e Lamberto Leonardi, o clube voltou a vencer um torneio nacional de grande porte, o que não acontecia desde o scudetto 1941/42. Foi o título que iniciou a história romanista brilhante na competição, que hoje conta com 22 presenças em semifinais, 17 em finais e nove títulos. Foi uma campanha categórica, em que o clube sofreu apenas um gol e marcou 12. Desses, cinco saíram do inesquecível pé grande de Pedro Manfredini.