‘Panelaço foi uma ação da classe média, não só dos ricos’, diz escritor

BUENOS AIRES - O maior panelaço já realizado contra o governo de Cristina Kirchner reflete, na visão do escritor argentino Ricardo Piglia, um dos grandes nomes da literatura nacional contemporânea, "uma profunda irritação com políticas oficiais e com a presidente, mas, também, a carência de uma liderança capaz de representar os setores insatisfeitos". Em entrevista ao GLOBO, Piglia assegurou que "o panelaço foi um recado para o governo, mas também para a oposição".

O GLOBO: O senhor participou do panelaço contra o governo?

Ricardo Piglia: Fui a uma das marchas no cruzamento das avenidas Pueyrredón e Santa Fe (no Bairro Norte portenho) para fazer uma observação antropológica e vi muita gente por lá.

O governo minimizou estes protestos...

Ricardo Piglia: Foram muitas manifestações, em muitos lugares. Pelas demandas e pelo tipo de organização, me pareceu uma ação, basicamente, da classe média argentina, não somente dos ricos. Mas não são golpistas (como disseram alguns kirchneristas), são pessoas que não gostam deste governo e, ao mesmo tempo, não encontram alternativas em outros movimentos políticos. Estão pedindo que alguém os represente.

Uma situação similar à da Venezuela de Hugo Chávez, há alguns anos...

Ricardo Piglia: Sim, parecida.

Por que é tão difícil representar estes setores insatisfeitos?

Ricardo Piglia: O que complica é o peronismo: ele ocupa todos os espaços políticos, é um movimento que dificulta o surgimento e fortalecimento de alternativas de poder. Os setores que participaram do panelaço não conseguem construir um partido que possa desafiar realmente o poder do peronismo.

Um futuro adversário do kirchnerismo poderia, então, surgir dentro do próprio peronismo?

Ricardo Piglia: Isso não está claro, hoje o nome com mais chances de ocupar esse lugar é Mauricio Macri (chefe de governo de Buenos Aires), mas dependerá de sua capacidade para construir uma aliança com setores do peronismo desencantados com Cristina. Como sempre, o papel do peronismo será central.

A presidente Cristina Kirchner insiste em minimizar estes protestos, mostrando-se mais interessada no que se passa no noticiário internacional...

Ricardo Piglia: (O escritor irlandês James) Joyce tem uma boa frase nesse sentido: quando não podemos mudar as coisas, mudamos de assunto. Cristina atua como sempre atuaram os peronistas, que dividem o mundo entre eles e a oligarquia.

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