Em meio à transição de governo para o presidente eleito Mauricio Macri após 12 anos de governo kirchnerista, a economia argentina registra hoje uma série de incógnitas sobre sua real situação.
A lista de estatísticas atuais constantemente questionadas inclui inflação, desemprego, reservas do Banco Central e resultados do comércio exterior – algo que gera incertezas no governo eleito e no tipo de ajuste fiscal que este realizará.
No caso da pobreza, o dado deixou de ser publicado em 2013, segundo o próprio INDEC (órgão estatal equivalente ao IBGE). Recentemente, o ministro da Economia, Axel Kicillof, gerou polêmica ao afirmar que o índice "estigmatiza" as pessoas.
As futuras autoridades do governo de Macri, que assume no dia 10 de dezembro, têm criticado a falta de dados "confiáveis" no país.
Pouco depois de ter sido eleito, no mês passado, Macri afirmou que "nós argentinos nos cansamos de um governo que não diz a verdade sobre a realidade do país, sobre realmente como estamos" e tem dito que não há "soluções mágicas" para resolver os problemas do país.
Nesta semana, o futuro chefe de Gabinete da Presidência, Marcos Peña, disse que Macri "tem sido claro em relação às suas preocupações com a realidade da inflação, das reservas, do desemprego. Recebemos um país sem estatísticas".
Os economistas Orlando Ferreres, da consultoria Ferreres e Associados, e Marina dal Poggetto, da consultoria Estudio Bein, concordam que o país não conta hoje com a "bússola" dos indicadores oficiais.
Dal Poggetto acredita que o próximo governo receberá como herança "uma desordem econômica", mas faz a ressalva.
— Temos que ter cuidado para que o novo governo não acabe exagerando para justificar um ajuste econômico. A falta de dados confiáveis também leva a esse risco.
Na mesma linha, o deputado governista Roberto Feletti, da Frente para a Vitória (FPV), de Cristina Kirchner, disse que "Macri exagera (ao falar sobre a saúde da economia argentina) para aplicar ajustes".
Assessores de Macri negam que haverá ajustes, como afirmou o presidente do Banco Ciudad Rogelio Frigerio Neto, que será ministro do Interior.
— Os ajustes já foram feitos pelo governo atual.
Em uma transição marcada pelas diferenças públicas entre o governo que sai e o que está chegando, Cristina Kirchner tem elogiado a herança que deixará.
A seguir, as cinco principais incógnitas sobre a economia argentina:
1) Inflação
Segundo o Indec (IBGE argentino), a inflação acumulada em 2015 registra 14%. De acordo com o mais recente "Índice Congresso Nacional", medição que reúne levantamentos paralelos de consultorias privadas, este índice seria de 25%.
Para a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), braço opositor a Cristina, a inflação acumulada deste ano seria de 22%.
Além das consultorias, sindicatos, governos provinciais e da cidade de Buenos Aires também medem a inflação, paralelamente ao do INDEC.
Essa fragmentação foi intensificada a partir das dúvidas sobre o dado oficial.
"De todos os dados duvidosos (na Argentina), o índice menos confiável é o da inflação", disse Marina Dal Poggetto.
2) Desemprego
A presidente Cristina Kirchner tem reiterado em seus discursos que a taxa de desemprego é hoje de 5,9%. Economistas questionam o dado, como Orlando Ferreres.
— A economia argentina está estancada há quatro anos e assim não gera postos de trabalho. O único emprego que aumentou foi o público.
Para a economista Marina Dal Poggetto, o problema é que no caso do desemprego não existem levantamentos alternativos ao estatal.
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3) Pobreza
O índice oficial de pobreza deixou de ser publicado em 2013. Para economistas e críticos do governo, sem dados confiáveis sobre a inflação "fica difícil" saber o valor exato da cesta básica de alimentos, base para conhecer o dado da pobreza, observou Dal Poggetto.
A economista ressalva, porém, que a pobreza não seria de 5%, como afirmou Cristina Kirchner, mas tampouco "de 30% ou 40%" como indicam algumas estatísticas paralelas.
— Isso porque existem planos sociais e porque os salários acompanharam a inflação e só começaram a cair no ano passado. E o emprego privado não cresce, mas também não cai, enquanto o emprego público cresceu.
4) Reservas internacionais
Segundo dados do Banco Central, as reservas são de cerca de US$ 25 bilhões. No entanto, economistas críticos ao governo e autoridades da nova gestão afirmam que este número seria "fictício".
Procurado pela BBC Brasil, o BC não respondeu. O economista José Luís Expert falou sobre a situação em um programa de televisão.
— O governo pode estar mentindo ao informar essa cifra (de US$ 25 bi). Não sabemos qual é a realidade das reservas.
Ferreres e Dal Poggetto lembraram que as reservas chegaram a ser cerca do dobro das atuais ainda durante o kirchnerismo.
5) Comércio exterior
Desde que o governo argentino começou a controlar a venda de dólares, em 2011, os importadores do país afirmam ter dívidas com seus fornecedores externos.
Estes fornecedores incluem os exportadores brasileiros, de acordo com a Câmara de Importadores da República Argentina (CIRA).
Essa dívida com todos os fornecedores externos seria, segundo a CIRA, de cerca de US$ 8 bilhões. No entanto, fontes brasileiras que acompanham a economia da Argentina afirmam que este dado "é incerto". Ferreres e Dal Poggetto concordam.
— É algo incerto porque os dados oficiais da Alfândega são diferentes dos que informam o INDEC.
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