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Ricardo Mazalan/AP
Ao tomar posse como presidente da Argentina nesta quinta-feira (10), Maurício Macri assumiu uma série de desafios políticos, econômicos, sociais e internacionais, apontam analistas ouvidos pela BBC Brasil.
"O principal deles é gerar confiança entre os argentinos e no exterior para que suas medidas tenham credibilidade e respaldo", diz a analista política Mariel Fornoni, da consultoria Management y Fit, que faz pesquisas de opinião no país. Pablo Knopoff, da Isonomía, ressalta a missão de fazer com que as iniciativas do novo governo se tornem um "consenso" entre a população.
Macri foi eleito com diferença inferior a 3% sobre o candidato de Cristina Kirchner, Daniel Scioli. A presidente deixa o governo com índice de aprovação que varia entre 25% e 35%, de acordo com pesquisas. E buscará ser opositora atuante, embora pairem dúvidas sobre essa liderança após a vitória --mesmo apertada-- do opositor.
Para economistas, a herança do kirchnerismo (2003-2015) é motivo de alerta. "A Argentina tem problemas como a inflação, cujo dado oficial é questionado, o controle cambial e a limitação de reservas no Banco Central", afirma o economista Dante Sica, da consultoria Abeceb.
Segundo o especialista, Macri se beneficia da vontade dos argentinos, que votaram por "mudanças". E, apesar dos desafios, o país "tem uma nova oportunidade de voltar a ser respeitado pelos governos, organismos e investidores internacionais".
O novo presidente precisará buscar apoio de outros setores do empresariado, e não apenas do agroindustrial, que respaldou sua eleição, avalia Raul Ochoa, economista da Universidade Tres de Febrero. Muitos empresários locais, afirma, "ganharam muito dinheiro com a economia fechada, e é hora de abrir este mercado".
Confira, a seguir, cinco dos principais desafios da gestão Macri.
Controle cambial
A medida foi implementada em 2011, diante da fuga de capitais. Hoje, os argentinos convivem com pelo menos três tipos de câmbio --o oficial, o paralelo (chamado de "blue") e aquele usado em transações financeiras por meio da Bolsa.
Poupar em dólares para se defender da inflação e pensar na moeda americana na hora da compra e venda de imóveis são, por exemplo, hábitos tradicionais na Argentina.
O novo ministro da Fazenda e Finanças, Alfonso Prat-Gay, disse durante a campanha presidencial que o controle cambial terminaria no dia seguinte à posse de Macri.
No entanto, ele passou a declarar nos últimos dias que o fim da medida só ocorrerá quando o Banco Central tiver mais reservas.
Oficialmente, elas estão em cerca de US$ 25 bilhões, mas estariam comprometidas com pagamentos, segundo economistas.
Congresso Nacional
Base política de Cristina Kirchner, a FPV (Frente para a Vitória) tem maioria no Senado e mais votos que Macri na Câmara, explica a analista Mariel Fornoni.
"Mas é preciso ver como os peronistas agirão a partir de agora, já que muitos deles atribuem a derrota nas urnas à Cristina. Alguns deles podem chegar a apoiar medidas de Macri."
Os peronistas são definidos como a força política mais arraigada e adaptável aos tempos políticos no país. Mas geralmente se unem na oposição quando um não peronista --caso de Macri-- está na Presidência.
Diante da "mágoa" com Cristina, no entanto, ainda não está claro o que ocorrerá, dizem os especialistas.
Nestor e Cristina Kirchner tiveram maioria no Congresso Nacional nos 12 anos de seu governo.
A gestão costumava aprovar seus projetos sem dificuldades, levando opositores a chamarem o Legislativo de "escribanía" (cartório, em espanhol).
Sem maioria, Macri deverá "aprender a negociar", observa o analista Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nova Maioria.
FMI, inflação e dívida
Especialistas do setor financeiro afirmam que o governo Macri deveria receber uma missão técnica do FMI (Fundo Monetário Internacional) para que seja verificada a fórmula de cálculo da inflação do país.
"Por ser integrante do Fundo, a Argentina já deveria ter permitido essa verificação e ter um dado estatístico confiável. Ou não conseguirá atrair investidores", diz o economista Orlando Ferreres, da consultoria Ferreres e Associados.
Macri nomeou um economista crítico do cálculo inflacionário do kirchnerismo para o INDEC, o IBGE argentino.
Ferreres assinala que o novo presidente precisará encarar outro problema: "Chegar a um entendimento com aqueles que não aceitaram o pagamento da dívida argentina, que entrou em calote em 2001".
Trata-se de um percentual residual, mas que, segundo especialistas, deixou tecnicamente a Argentina no "default" (calote, em inglês) pela segunda vez desde aquele ano.
"E, para voltar a ter acesso ao crédito internacional, o governo Macri deverá resolver esse problema", lembram assessores do novo ministro da Fazenda.
Cristina Kirchner na oposição
A ex-presidente já indicou, em diferentes discursos, que pretende atuar na oposição ao governo Macri, com quem já mantém uma relação tensa.
Numa carta publicada nas redes sociais, Cristina disse que o sucessor teria gritado com ela ao telefone, enquanto eles definiam detalhes de cerimonial da posse desta quinta.
Assessores da presidente anunciaram depois que ela não compareceria à cerimônia.
"A derrota do candidato do governo à Presidência não foi perdoada por muitos peronistas, e será difícil que ela consiga ser líder da oposição sem esse apoio", afirma Fornoni.
Interlocutores de Cristina sugerem que ela pode se candidatar às eleições legislativas, daqui a dois anos, ou à próxima disputa presidencial.
Em seu último discurso à frente do país, na noite de quarta, disse para uma multidão de apoiadores que a Argentina "está muito melhor agora do que em 2003", quando o kirchnerismo chegou à Presidência.
"Quando Nestor assumiu, ninguém tinha nem um níquel no bolso. O país está muito melhor agora", disse.
Política externa
A ministra das Relações Exteriores do governo Macri, Susana Malcorra, disse em diferentes entrevistas que a pasta não pode ter "ideologias".
Analistas interpretaram essa afirmação como uma alfinetada à política externa de Cristina, criticada por eles pelas relações difíceis com vários países, incluindo os da região e os Estados Unidos, e por se aproximar da Venezuela.
Interlocutores do governo brasileiro dizem que a relação pode ser "mais fluida", em termos comerciais, com Macri.
"Existe mais disposição para detalhar e enfrentar os problemas de forma conjunta", afirmam, sob a condição de anonimato.