Especialistas refletem sobre o comportamento do Brasil na aproximação entre Mercosul e Aliança do Pacífico
É certo que o Mercosul não vive seu melhor momento.
Prestes a completar 25 anos em 2016, chegou a representar 16% do comércio exterior total do Brasil, número que agora não chega a 10%. A relação com a Argentina passa por um período delicado por conta das restrições impostas aos produtos brasileiros. Entretanto, a troca do governo vizinho pode fazer com que haja uma mudança no tratamento da situação financeira e, claro, da relação com o Brasil.
Já a Aliança do Pacífico (AP) sempre foi considerada mais dinâmica por priorizar o liberalismo econômico e pelas tarifas mais baixas e é importante porque os quatro países membros (México, Peru, Chile, Colômbia) têm metade do comércio da América Latina. Nasceu da iniciativa do ex-presidente do Peru, Alan García, em 2010 e, em abril de 2011, foi assinada a “Declaração de Lima”, contendo os objetivos de constituição, voltados à liberalização comercial entre os membros e maior projeção em direção à região Ásia-Pacífico.
De acordo com especialistas brasileiros ouvidos pela AméricaEconomia, é difícil comparar os dois blocos. “Se formos olhar os quatro primeiros anos de cada um, podemos dizer, inclusive, que o Mercosul se saiu melhor”, explica o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Goulart Menezes. Para ele, apesar de ter sido levantada uma possível rivalidade entre os dois projetos de integração, a própria cúpula da AP prevê em um de seus documentos a aproximação com o Mercosul. “Eles não se opõem. Na verdade, um não deve querer sufocar o outro. São espaços para a região. A Aliança não está esvaziando a agenda”, explica.
Outro fator que dificulta a comparação é a natureza diversa de cada um deles. Enquanto a Aliança busca basicamente a liberalização do comércio e se volta para negociar com o mundo, o Mercosul está no segundo grau de integração econômica, o de união aduaneira, que prevê uma tarifa comum e negociação de acordos comerciais somente em bloco. É justamente essa característica que tem originado debates por aqui, inclusive com posições conflitantes dentro do próprio governo.
O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Nogueira, defendeu publicamente que o fato de o país integrar o Mercosul não pode excluí-lo de acordos com outras partes do mundo e fez referência aos bilaterais. Ao passo que a presidente Dilma Rousseff no final de maio, por ocasião da visita do presidente do Uruguai, Tabaré Vasquez, afirmou que o acordo com a União Europeia é prioridade na agenda externa do bloco e destacou que este segue como mecanismo comercial importante de integração. O fato é que os especialistas tendem a reconhecer a importância do Mercosul, apesar das inúmeras ressalvas que têm surgido.
Hoje, a indústria nacional vive uma etapa de perda de competitividade, resultado dos problemas com o câmbio, impostos e juros, cenário difícil para que o Brasil tenha grandes possibilidades de assinar acordos bilaterais de livre comércio. A opinião é do ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda, ex-embaixador em Genebra, Washington e Roma, Rubens Ricupero. “Infelizmente, se não temos boa economia, não podemos resolver a questão dos acordos. Precisamos melhorar a competitividade, com menos impostos e câmbio menos volátil”, afirma Ricupero. Ele acrescenta que o governo sacrifica a exportação ao tirar as vantagens da desoneração da folha e dos programas de estímulo. “Estamos dando um tiro no pé. Se vão tirar as condições de competir, como podemos negociar os acordos? Os ministros não querem enfrentar a questão e isso vem sendo feito há muito tempo”, analisa. Para o embaixador, a primeira atitude a ser tomada pelo país é aumentar a capacidade de oferta. “Entendo que podemos até insistir em reuniões conjuntas entre o Mercosul e os países do pacífico para uma integração maior, mas sou cético porque o problema real está na perda de competitividade”, observa.
O Mercosul e a Aliança do Pacífico já se lançaram em algumas iniciativas de aproximação. Em dezembro do ano passado, ministros das Relações Exteriores e do Comércio dos dois blocos participaram, ao lado de líderes empresariais e sindicais da América Latina, de uma reunião em Santiago. O objetivo era tentar dinamizar o comércio dentro da América Latina e fortalecer a região. Na ocasião, a presidente chilena, Michelle Bachelet, afirmou que estava entre suas prioridades integrar o Chile a outras iniciativas regionais. “Devemos deixar de lado de uma vez por todas, esse preconceito de que há dois blocos contrapostos, que não dialogam entre si”, disse.
Em maio deste ano, representantes dos ministérios da Agricultura dos dois blocos criaram um grupo de trabalho para harmonizar normas sanitárias e fitossanitárias entre as nações. Presidida pela ministra da agricultura do Brasil, Kátia Abreu, a reunião teve ainda representantes da Argentina, Chile, Paraguai, Equador, Uruguai e Venezuela.
Além disso, o Brasil já tem tratados com os países da Aliança do Pacífico, no âmbito da Aladi (Associação Latino-americana para integração). “Nós já temos acordos com Chile e Peru com gravames muito reduzidos a curto prazo. Com a Colômbia, temos uma situação mais difícil porque a indústria colombiana tem dúvida em relação ao Brasil. Já com o México, perdemos muita competividade e ficamos com receio da indústria mexicana, que é muito efetiva, mas renovamos os acordos automotivos”, afirma Ricupero.
Neste sentido, o presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior (Coscex) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e ex-embaixador do Brasil em Washington, Rubens Barbosa, defende o aprofundamento dos acordos comerciais que já existem. Ele observa, inclusive, que em boa parte deles o Brasil é mais aberto que os vizinhos. O Chile oferece 98% de tarifa zero para os produtos brasileiros, enquanto o Brasil estabelece 100% para as mercadorias chilenas, por exemplo. No âmbito do Mercosul, Barbosa defende a flexibilização das negociações.
O sócio da consultoria GO Associados e ex-embaixador, Regis Arslanian, entende que uma convergência entre os dois blocos seria importantíssima para melhorar a competitividade nacional e lembra que a maioria dos países da Aliança tem acordo com a União Europeia e os Estados Unidos. “Se não negociarmos um acordo ambicioso, são eles que vão entrar. Temos que igualar o jogo com a Aliança do Pacífico. Um acordo bloco-bloco é estratégico, dará mais estatura para o Mercosul e evitará que mercados da AP sejam tomados pelos países desenvolvidos com quem fizeram acordo”. Segundo ele, os acordos precisam ser mais ambiciosos e abrangentes e não apenas de tarifas. “Podem englobar convergência regulatória, por exemplo”, coloca Arslanian.
Negociação com a China
Um documento produzido pela Cepal classificou a convergência entre os distintos esquemas de integração latino-americanos e caribenhos como “urgente”. “O espaço regional, que reúne mais de 600 milhões de habitantes unidos por fortes laços históricos, culturais e linguísticos, é o melhor para se moldar os benefícios tradicionalmente associados à integração, com uma escala maior de mercado e aproveitamento das complementaridades nacionais”, afirma o documento.
O estudo aponta ainda que uma atuação concertada poderia fortalecer a voz da região nos principais debates de governança mundial, assim como a interlocução com outros atores do sistema internacional, particularmente com a Ásia-Pacífico. Nesse contexto, a China ganha mais enfoque, como grande importadora dos produtos primários da América Latina.
Mas, para Rubens Barbosa, a aproximação do Mercosul e da Aliança para melhorar a integração com a Ásia é pouco provável. “Não está na agenda nem do Mercosul nem da Aliança”, diz. O ex-embaixador lembra que, em relação à Ásia, o Brasil poderia instalar empresas brasileiras nos países vizinhos para aproveitar as melhores tarifas que eles têm com aquela região, mas esse tipo de estímulo não é prioridade do governo, segundo ele.
Mas o fato é que os investimentos do gigante asiático só aumentam na região. Analistas internacionais afirmaram que os acordos fechados durante a visita do premiê chinês, Li Keqiang, à América Latina no final de maio posicionam a China em um novo patamar. O primeiro-ministro fez um giro de oito dias pelo Brasil, Colômbia, Peru e Chile. Com o Brasil, foram fechados 37 acordos que envolvem gastos de mais de US$ 53 bilhões (R$ 160 bilhões).
Para o ex-embaixador Régis Arslanian, esses recursos são importantes neste momento de ajuste fiscal. Entretanto, ele afirma que não há espaço para um acordo de redução de tarifas entre Brasil e China porque esta já é um mercado aberto. “Com o nosso relativamente fechado, já temos uma invasão de produtos chineses, se abrirmos, será uma enxurrada”. Ele afirma que o Brasil vem perdendo mercado para os chineses na América Latina. “A China está ocupando mercados dos países vizinhos que eram nossos, como o setor de linha branca e automotivo na Argentina, além de ocupar espaços da nossa indústria no nosso próprio mercado”, exemplifica.
Pelo observado até agora, as vantagens de um aprofundamento da relação de Mercosul e Aliança do Pacífico estão menos relacionadas à negociação com a Ásia e mais à própria dinâmica da América Latina.