O ‘tapering’ norte-americano ea Argentina

O ‘tapering’ norte-americano e a Argentina

24/03/2014 - 18:16:00

Contas em aberto desde o passado entraram em choque com estratégia dos EUA

Buenos Aires – A firme decisão dos Estados Unidos de encerrarem, gradualmente, o financiamento do sistema bancário mundial em dezembro do ano passado prosseguiu, com redução para US$ 75 bilhões em janeiro e para US$ 65 bilhões deste ano. Obviamente, a decisão prevê o encerramento da flexibilização quantitativa, isto é, de impressão maciça de dinheiro iniciada como resposta à crise do sistema financeiro após 2008.

Esta política foi denominada “tapering” (afilado, em tradução livre) e até ser zerada totalmente dependerá das reações do restante do sistema econômico e de como corresponderão as autoridades monetárias dos grandes totais e subtotais do planeta à forte pressão para emitirem dinheiro, para dizer de forma mais simples e compreensível. Seja de forma típica ou de forma essencial, quer dizer, aumentarem a liquidez financeira de qualquer maneira.

Trata-se de um martírio que criou tormentas monetárias só com sua anunciação nos mercados emergentes e periféricos, mas sua aplicação com a forma “chinesa” mês a mês complementa o pânico nestes mercados, e não só.

Os chineses foram subjugados pela pressão e anunciaram um generoso programa aumentando os créditos na economia. Uma amostra da ordem de dimensão deste decisão: o aumento da liquidez no mês de janeiro deste ano na China equivale ao triplo do total de dinheiro que imprimiram as offset dos bancos centrais do Japão e da China juntas.

Os europeus, por outro lado, provisoriamente favorecidos pelo maciço refluxo de capitais pelos mercados emergentes e periféricos rumo aos centros metropolitanos imperialistas, dispõem de uma pequena dose de luxo para retardarem e, simplesmente, para anunciarem políticas, mas não por longo tempo.

Efeito externo

O inegável fato desta guinada das evoluções e das consequências diretas do “tapering” norte-americano é a explosão das taxas de juros de endividamento dos mercados emergentes e o enxugamento de suas reservas cambiais pelos capitais que, apressados, buscam a segurança das metrópoles imperialistas. E a Argentina é uma destas – não negligenciadas para serem ignoradas, mas não tão fortes para definirem as questões – economias do planeta.

Em uma América Latina onde estão em jogo questões (Venezuela, participação do Brasil nos Brics – que hoje mostra estar em dissolução em consequência de um abalo monetário) e com contas em aberto desde seu recente passado. Foi ali que o “tapering” norte-americano encontrou-se com a questão econômica argentina.

A política econômica adotada por sua presidente, Cristina Kirchner, foi baseada sobre os grandes gastos públicos e sobre a impressão de dinheiro novo. Esta política garantiu ritmos de crescimento econômico de 7,2%, mas o povo trabalhador não saboreou, considerando que o acúmulo da inflação pulverizou seus rendimentos e realizou uma nova transferência de renda aos ricos oligarcas do país com o título de “crescimento”.

Sobre a explosão da inflação existem avaliações contraditórias. A oposição – que por uma vez mais, conseguiu convencer o povo a sair às ruas com um “panelaço” (pero no mucho sonoro) – estima a inflação em 28%. E pegando carona o Fundo Monetário Internacional (FMI) denuncia o governo de divulgar dados falsos.

Passado ameaça

O fato é que o peso argentino tem sido desvalorizado em torno de 11% nos mercados de capitais, e já as autoridades monetárias da Argentina preparam-se para uma nova aventura de reatrelar-se com o dólar norte-americano (a tragédia que resultou na grande falência de 1997–2000 e, daí ao levante popular de 2001-2002).

Em consequência, o “tapering” norte-americano não poderia ter sido decretado em período mais problemático para as reservas cambiais do país e sua estabilidade monetária. Contudo, em conjunto ocorrem também outras duas questões sérias. Uma é a queda dos mercados de soja (e do mercado de alimentos de um modo geral), fato que atinge a Argentina, maior produtor mundial do grão depois da China. Isso contribui para o círculo vicioso dos deficits nas contas correntes e no maior enfraquecimento cambial.

São, certamente, também, as contas abertas desde o passado. A Argentina mantém-se excluída dos mercados internacionais de dívida, enquanto encontra-se em negociações com o bilionário administrador de fundos Paul Singer sobre os processos pela falência de 2000 (valor total US$ 50 bilhões). Singer recusa as condições indenizatórias, aceitas por todos os demais credores do país.

Se calcularmos que o desempenho médio dos bônus argentinos é de 12%, o maior entre os grandes países em desenvolvimento após a Venezuela, e que as reservas cambiais constituem a principal fonte de dólares para o pagamento dos portadores de bônus, toda esta pressão se junta pessimamente com o “tapering” norte-americano e sua visíveis consequências. São poucos, muito poucos, que desejam aplicar seus capitais no mercado argentino.

Exigências

O novo Conselho de Ministros, composto após a operação a que foi submetida a presidente Cristina Kirchner, revelou sinais de entendimento: Compromisso de cooperação com o FMI, continuação das negociações para indenização da empresa petrolífera espanhola Repsol pela interrupção de suas atividades no país em 2012.

Mas também ações “acalmantes” , como o novo indicador de preços ao consumidor, que dissimula a selvagem inflação e atrai novos investidores. Habitualmente, tais ações não podem relacionar-se com ações de caráter filopopular no interior.

Então a dupla pressão para sua nova adequação com as fotos na Venezuela e Cuba e os abraços com os líderes locais, seguramente, continuarão. Ao que tudo indica a evolução revelará se a presidente, após a operação na cabeça, adquiriu “juízo”. Aquele “juízo” que entendem os imperialistas e os especuladores internacionais.

Hector Sortino

Correspondente.

Duvidosos resultados da flexibilização quantitativa

Bruxelas – Em estiagem deflacionária arrasta-se, abalado pelas idas e vindas da crise, o espectro da economia mundial. Observa-se, aliás, o curioso fenômeno de os mercados correspondendo, positivamente, às más novas da economia norte-americana e mundial e não às boas novas (o aumento, por exemplo, do indicador de encomendas da indústria).

Isto porque se existissem boas novas já teria sido ponto pacífico a – múltiplas vezes anunciada nos últimos tempos – interrupção definitiva da flexibilização quantitativa no setor monetário.

Realmente, anormal reação comportamental, não rara para a “espécie” do sistema econômico mundial dentro do qual o mundo vive. A gratuita liquidez iniciada com a política monetária do Federal Reserve (Fed), que desempenha o papel de banco central dos Estados Unidos, constitui a muleta dos mercados em um período em que as evoluções na produção e na real economia não sinalizam os desempenhos de outros períodos. Ao contrário, predispõem para contração.

Paralelamente, outras três fontes de informação econômica mundial prevêem o dinâmico ressurgimento de deflação, isto é, do círculo vicioso em que os preços das commodities, a produção e a ocupação, arrastando junto a demanda e a atividade econômica total, tomam uma marcha de queda sem saída.

Em tal escala de deflação havia despencado a economia mundial desde as vésperas da invasão dos EUA no Iraque. Foi quando alguns começaram fazendo comparações com a crise de 2929.

Rumo à deflação

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) anunciou que, já pelo terceiro mês consecutivo, a inflação recua “com força no mundo desenvolvido”. Obviamente está ausente um considerável “fator inflacionário”, o movimento mundial trabalhista com suas reivindicações.

Assim, o sistema econômico mundial do imperialismo-capitalismo (isto sim, com seus nomes e sobrenomes) pode manter-se confortavelmente acomodado contra os riscos da inflação. O medo, naturalmente, é os preços não despencarem e não decolarem. Este é o movimento básico da balança do sistema, porque, além de tudo isso, a inflação mastiga os salários e subtrai, indiretamente, qualquer outro valor dos assalariados.

Mas também o Banco Central Europeu (BCE) – segunda fonte de informação – prevê para o futuro, especificamente, ano que vem, inflação da ordem de 1,3% a 1,4%, quer dizer, muito baixa. Uma tendência assim mostra que chegou para ficar, considerando que projeta-se, pelo menos, no futuro imediato.

Mario Draghi, o presidente do BCE, parece que está vendo suas previsões confirmadas, por ter diagnosticado que a Zona do Euro “talvez vivenciará um prolongado período de baixa inflação”.

Aproximação mais analítica das avaliações do BCE menciona a já atual queda de preços na Zona do Euro, que deve-se, principalmente, à queda dos preços de energia em 3,6% e dos bens intermediários em 1,8%, respectivamente, enquanto, ao contrário, aumentaram os preços dos bens de capital e dos bens de consumo em 0,5% e 1,1% respectivamente.

Naturalmente, os preços mantêm-se altos no consumo dentro da correção monopolizadora do “livre” mercado, mas, quando o consumo despenca e aumentam os bens “indisponíveis”, a tendência de queda dos preços predomina. A queda dos preços dos bens intermediários mostra este evolução descendente.

Dinheiro mais raro

Contudo, se também a deflação, conforme foi descrito, relaciona-se com as razões mais profundas do círculo de queda, sua relação com as questões monetárias não é nada descuidada. Todos estes níveis são interdependentes. A queda da economia e as “más novas” conservam o tsunami de liquidez lançado nos mercados para a salvação dos bancos e para que continue o festim especulativo, enquanto as empresas e as famílias obtêm empréstimos cada vez mais raros e mais difíceis.

Isto é, aumenta o fornecimento de liquidez , enquanto, simultaneamente, o dinheiro torna-se cada vez mais raro. Os mistérios, dignos de admiração, do capitalismo manifestam-se novamente. Aliás, nos círculos do BCE planejam-se diversas ferramentas financeiras – prestando-se atenção para não deixar os alemães nervosos – para aumentarem o fluxo da liquidez.

Perto de tudo isso, o euro passou ao terceiro lugar como moeda básica para reservas cambiais; o segundo lugar foi assumido pelo iuan da China. Mas para que não pairem dúvidas, mais de 80% das transações econômicas mundiais realizam-se por intermédio do dólar. Quanto ao ameaçador retorno da deflação, não deverá haver a menor sombra de dúvida. Trata-se de uma clássica crise capitalista.

Mary Stassinákis

Sucursal da União Européia.

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