O sangue, a palavra ea tinta


O fio condutor da exposição Na obscuridade aberta passa pela Hungria do século XVI, esbarra na Buenos Aires dos anos 1960, faz mais uma escala na capital argentina dos dias de hoje e chega, finalmente, em Brasília – onde, entre 27 de novembro e 12 de janeiro, uma série de 37 ilustrações poderá ser apreciada na Caixa Cultural. O evento tem curadoria de Lucas Gioja, adido cultural da Embaixada da Argentina no Brasil. A realização é uma parceria entre a embaixada e o centro cultural.

 

Propondo um diálogo entre as artes plásticas e a literatura argentina, a exposição conta com 27 trabalhos originais de Santiago Caruso inspirados no livro A Condessa Sangrenta (1971), da escritora Alejandra Pizarnik, e outras 10 ilustrações que Caruso fez em homenagem ao aniversário de 40 anos da morte da poetisa argentina, compondo a série El eco de mis muertes. Além das obras, expostas nas galerias Piccolo 1 e 2, o visitante poderá ler trechos do livro (traduzidos para o português) estampados nas paredes do local e também ouvi-los, com o uso de fones de ouvido, em interpretações da atriz brasiliense Valéria Rocha, da cia. Anti Status Quo. Para complementar, o documentário Alejandra (2012, dirigido por Virna Molina), sobre vida e obra da escritora argentina, será exibido durante todo o período da exposição.

 

Embaixador da Argentina no Brasil, Luis Maria Kreckler comenta que Pizarnik é uma das escritoras mais importantes de seu país e uma das vozes mais originais do século XX. “Sua obra combina, por um lado, ‘a breve frase poética perfeita’, como a chama César Aira e, por outro, uma enorme carga de subjetividade que repete imagens surrealistas, noturnas, escuras. A complexa relação entre sua própria vida e sua obra, entre o mito que se gerou depois do seu suicídio e sua escrita, lhe renderam o título de ‘a escritora maldita da Argentina’”.

 

A Condessa Sangrenta, primeiro livro de Pizarnik publicado no Brasil, mescla poesia e ensaio e foi inspirado numa personagem tão real quanto insólita: a condessa húngara Erzsébet (Isabel, em português) Báthory, condenada pelo assassinato de 650 moças em busca da juventude eterna. Diz-se que a nobre era adepta do sadismo, torturava suas vítimas e bebia ou banhava-se se em seu sangue. A história da condessa, que viveu entre 1560 e 1614, ganhou ares de lenda e inspirou incontáveis obras na literatura, na música e no cinema.

 

El eco de mis muertes é uma homenagem que recolhe 10 poemas da obra de Pizarnik, entre eles, os notórios Árbol de Diana e Extracción de la piedra de la locura. Caruso, que trabalhou em cima desses textos durante anos, complementa essas obras com uma beleza gótica e turbulenta, resultando em uma exposição na qual a fusão de palavras e imagens alcança um encanto incomum, um mundo crepuscular onde a obscuridade permanece aberta.

 

Santiago Caruso estará em Brasília para participar da abertura da exposição, em 27 de novembro, às 19h, na Caixa Cultural. Na manhã do mesmo dia, ele dará uma palestra sobre ilustração no Instituto de Artes da Universidade de Brasília, com mediação do professor Eduardo Belga.

 

Visitação: de terça a domingo, das 9h às 21h, nas galerias Piccola 1 e 2 da Caixa Cultural (SBS Quadra 4 Lotes 3/4)Informações: 3206-9448 e 3206-9449.

 

 

O ARTISTA
O argentino Santiago Caruso (Quilmes, 1982) é formado pela Escola de Belas Artes Carlos Morel. Aos 21 anos foi distinguido com o primeiro lugar na categoria desenho no Salão de Artes Plásticas do Museu Roverano. Desde 2006 colabora como capista da revista Caras y Caretas. Tem trabalhado para editoras da Inglaterra e dos Estados Unidos e ilustrou, entre outros trabalhos, Three great plays of Shakespeare e Don Quixote. Em 2007 foi selecionado para integrar o Catálogo de ilustradores argentinos, publicado pelo Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires. Com notável caráter autodidata, Santiago Caruso tem estudado a pintura do século XIX, dedicando especial atenção à escola simbolista. Os trabalhos de Alberto Breccia, Carlos Nine, José Muños e Enrique Alcatena também orientam sua formação estética. Sua produção, entretanto, é pessoal e se destaca tanto pelo vigor como pela técnica. Amplamente exposta em galerias e museus da Argentina, sua obra constitui uma das mais gratas revelações da arte plástica latino-americana. No Brasil, além de A Condensa Sangrenta, a Editora Tordesilhas também publicou outro livro com ilustrações de Caruso, o romance Senhorita Christina, de Mircea Eliade.

 

A HOMENAGEADA
Alejandra Pizarnik. Buenos Aires, Argentina, 1936-1972. Filha de imigrantes judeus da Europa oriental, aos 17 anos iniciou os estudos de filosofia e jornalismo. Mais tarde ingressou em letras, curso que também abandonou, e foi colaboradora do ateliê Juan Batlle Planas. Publicou seu primeiro romance, La tierra más ajena, aos 19 anos. A este se seguiram La ultima inocência (1956), Las aventuras perdidas (1958), Árbol de Diana (1962), Los trabajos y las noches (1965), Extracción de la piedra de la locura (1968) e El infierno musical (1971). Entre 1960 e 1964 viveu em Paris, onde conviveu com Julio Cortázar, Octavio Paz e André Pieyre de Mandiargues. Ao regressar a Buenos Aires, obteve o prêmio Fondo Nacional de las Artes e a prestigiosa bolsa Guggenheim. Em A condessa sangrenta, sua prosa mais longa e seu primeiro livro publicado no Brasil (Ed. Tordesilhas), mescla poesia e ensaio. Numa passagem de seus diários, ele escreveu: “Qual é meu estilo? Creio que o do artigo da condessa. Insisto, o tempo todo, na fascinação pelo tema da minha nota. Nunca sucedeu-me algo parecido depois”. Alejandra Pizarnik suicidou-se aos 36 anos, após produzir uma das obras mais profundas e perenes do século XX.

Na obscuridade aberta

 

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