O Brasil perdeu tempo e dinheiro apoiando Cristina Kirchner e …

O empresário e esportista Daniel Scioli, de 58 anos, está acostumado a lidar com o poder. No melhor estilo lulista “metamorfose ambulante”, como o próprio ex-presidente brasileiro se definiu, Scioli foi afilhado político de Carlos Menem e de Eduardo Duhalde, dois inimigos do casal Kirchner. Em 2003, tornou-se vice de Néstor Kirchner, marido morto da atual presidente Cristina, e, desde 2007, é governador da Província de Buenos Aires. Líder nas pesquisas de intenção de votos, o peronista foi recebido pela presidente Dilma Rousseff na tarde da terça-feira 13, em Brasília.

“Recebi bons augúrios”, afirmou, após tirar uma foto com o tradicional “V” de vitória. A cena provavelmente não lhe renderá votos, no dia 25 de outubro, mas o objetivo era demonstrar influência política. E o Brasil, o que ganha com isso? É inegável que a Argentina se tornou o principal parceiro comercial brasileiro, principalmente em manufaturados. A miopia da política externa nos últimos 13 anos, no entanto, gerou uma interdependência perigosa. O caso mais assustador é o do setor automotivo.

No começo da década, de cada dez carros vendidos ao exterior pelo Brasil, oito foram para o mercado vizinho. Com a Argentina mergulhada numa crise econômica, as exportações de veículos despencaram. Somente agora, com enorme atraso, o governo Dilma fechou um acordo relevante com a Colômbia, que pode aliviar o setor (leia artigo na pág. 82). Desde que assumiu o governo, no fim de 2007, a populista Cristina levantou inúmeras barreiras aos produtos estrangeiros, prejudicando a economia brasileira.

“O nosso relacionamento com a Argentina é muito esquizofrênico”, diz Welber Barral, que foi secretário de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento entre 2007 e 2011. “Há uma proximidade ideológica entre o PT e a ala do peronismo que Cristina representa.” Ao recepcionar Scioli, em Brasília, a presidente Dilma escancarou um apoio até então velado que o governo brasileiro dava ao candidato governista. Essa postura não goza da simpatia de parte do empresariado brasileiro, que até hoje não engole os prejuízos causados por Cristina.

A indústria calçadista, por exemplo, sofreu nos últimos anos com o bloqueio de produtos nos portos argentinos. Era comum uma coleção de calçados de verão só ser liberada no inverno, inviabilizando a sua venda. Resultado: o volume embarcado, que chegou a 18,5 milhões de pares em 2008, caiu para 7,7 milhões no ano passado. “O exportador brasileiro torce pela oposição”, afirma Heitor Klein, presidente da Associação das Indústrias de Calçados (Abicalçados). Os dois principais concorrentes são Mauricio Macri, político de centro-direita e prefeito de Buenos Aires, e Sergio Massa, um peronista que rompeu com o kirchnerismo, em 2009.

A maioria dos analistas acredita que, independentemente do resultado das eleições, o próximo governo argentino terá de rever as barreiras protecionistas diante da pressão da Organização Mundial do Comércio (OMC). Além disso, o novo presidente deverá se sentar à mesa com os credores internacionais, que receberam um calote de Cristina, no ano passado. Para o êxito das ambições brasileiras de fechar um acordo comercial com a União Europeia, a esperança é a de que o bom senso volte a prevalecer do outro lado do Rio da Prata.

“O atraso da negociação entre Mercosul e União Europeia é resultado da posição kirchnerista de atrapalhar tudo”, afirma Gilberto Lima Jr., presidente da consultoria Going Global. Para o setor automotivo, restabelecer boas relações é, acima de tudo, uma questão de sobrevivência. “Nossa relação é mais do que comercial”, diz Luiz Moan, presidente da Associação dos Fabricantes de Veículos (Anfavea). “É um acordo de integração produtiva, com fábricas nos dois lados que precisam produzir.”

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