BUENOS AIRES - A assessora da Casa Rosada não perde tempo com explicações. “Seu pedido deve ser encaminhado ao Congresso Nacional”, diz a jornalistas que tentam credenciamento para a posse presidencial na Argentina. Faltam apenas três dias. Mas até agora não se sabe onde serão entregues faixa e bastão. A falta de clareza no protocolo e uma briga entre a presidente que sai e o governante que entra deixam a transição argentina parecida a uma novela mexicana.
Cristina Kirchner, que deixa o poder depois de oito anos, bateu o pé e não quer cerimônia na Casa Rosada como determinou o presidente eleito, Mauricio Macri. Ele diz que não receberá faixa e bastão no Congresso, como ela deseja. À mercê da pirraça que um faz ao outro, estão não apenas os jornalistas como também chefes de Estado de diversos países do mundo, convidados para a posse, inclusive a presidente Dilma Rousseff.
A facilidade que o Congresso oferece para a militância kirchnerista comparecer em massa pode ser o motivo de preocupação da equipe de Macri. A única coisa certa até agora é que o presidente eleito fará o juramento no Congresso. Cristina disse que entregaria a faixa e o bastão ali mesmo. Contrariado, Macri decidiu telefonar para ela no fim de semana e dizer que a transmissão do cargo será no salão branco da Casa Rosada, “como manda a tradição”.
Na noite de sábado, o presidente eleito preparou a agenda e distribuiu à imprensa. No dia seguinte, Cristina divulgou, por meio das redes sociais, que tinha sido maltratada pelo sucessor, que teria gritado com ela ao telefone.
A faixa já é peculiar nas Repúblicas. Mas na Argentina, além da faixa, o presidente que toma posse recebe também um bastão, um símbolo que vem da época da colonização espanhola. O juramento no Congresso Nacional é claramente previsto na Constituição. Mas a entrega dos dois símbolos pelo presidente que sai é algo confuso. Macri baseia-se em um antigo protocolo. Mas na posse de Néstor Kirchner, marido de Cristina, em 2003, foi diferente. Seu antecessor, Eduardo Duhalde, entregou-lhe os dois símbolos no Congresso, após o juramento.
Deputados aliados a Macri dizem que cabe a ele decidir, porque será o presidente a partir da zero hora do dia 10. Há quem diga, no entanto, que ele só assume o cargo após o juramento, já que o país não poderia ter dois presidentes ao mesmo tempo.
Diante da confusão, começa a surgir a hipótese de que Cristina não compareça à cerimônia. Dessa forma, quem faria as honras da transmissão dos dois símbolos seria o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lorenzetti.
Era de se esperar que a rivalidade entre Cristina e Macri transformaria a posse numa cerimônia sem emoção. Mas agora, com os últimos acontecimentos, a história ganha um tom dramático. Cristina está com raiva. Em sua página de Facebook, ela disse que, na conversa telefônica, teve que lembrar ao sucessor que “não se trata de sua festa de aniversário”.
“Quem falava do outro lado parecia uma pessoa totalmente diferente da que aparece nos meios (de comunicação), a tal ponto que tive que lembrá-lo que ele era um homem e eu, uma mulher, e que não merecia que me tratasse dessa forma”, disse.
Mas a presidente que sai não está de todo magoada. Como um “gesto de cordialidade”, ela disse que mandou plantar flores amarelas na residência oficial de Olivos. Ela sabe que é a cor preferida de Macri (a cor do partido) e até lhe mandou uma foto do jardim. “Ficaram muito lindas. Em mais umas semanas, vão parecer muito melhor”, garante Cristina.