O ministro brasileiro do Desenvolvimento, Indústira e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, disse nesta quinta-feira em Buenos Aires que o Mercosul deve apresentar nos dias 18 ou 19 deste mês, durante reuniões em Bruxelas, na Bélgica, uma proposta de acordo de livre comércio com a União Europeia.
Segundo Pimentel, os quatro países fundadores do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) se reunirão nos dias 10 e 11 no Rio para definir detalhes finais da proposta do bloco, que pode transformar em realidade - após recentes mudanças na alta cúpula do governo argentino - o acordo que vem sendo tentado há 14 anos.
Pimentel falou aos jornalistas brasileiros na porta da Casa Rosada, a sede da Presidência da Argentina, logo após o segundo dia de reunião com o chefe de Gabinete da Casa Civil argentina, Jorge Capitanich, que assumiu o cargo há apenas 15 dias.
Além de Capitanich, a reunião da véspera também contou com a presença do ministro da Economia, Axel Kicillof, e do novo secretário de Comércio Interior, Augusto Costa. Assim como o chefe de gabinete, os dois também assumiram há cerca de 15 dias e são os mais novos membros da equipe do governo da presidente Cristina Kirchner.
Para Pimentel, alterações no governo argentino revigoraram as discussões bilaterais. "Houve uma mudança de equipe e nós achamos que essa mudança foi positiva. Nunca houve interrupção no diálogo (bilateral), mas com certeza ele vai seguir agora bastante revigorado", disse.
"Foi uma conversa longa, muito positiva e com fluidez. Tratamos de vários temas. Na nossa opinião, está havendo uma importante mudança na política econômica, na condução econômica na Argentina. Essas trocas feitas no Ministério apontam nessa direção. E acho que vamos avançar muito no diálogo com os argentinos".
'Mudança positiva'
Havia forte expectativa em relação à postura Argentina, já que o Uruguai e o Paraguai já tinham declarado apoio e entendimento com as propostas analisadas no Brasil.
Em uma reunião realizada recentemente em Caracas, na Venezuela, a Argentina não havia feito uma proposta completa para as discussões, segundo fontes do governo brasileiro, "limitando" suas intenções à flexibilização somente de uma lista de bens comerciais.
Na proposta argentina, informaram as fontes, faltavam itens previstos nas negociações com a União Europeia como investimentos, compras governamentais e serviços.
Quando questionado sobre a proposta da UE, Pimentel respondeu: "Essa é a questão, e não a Argentina".
Nos bastidores do governo brasileiro, assessores da presidente Dilma Rousseff se queixaram à BBC Brasil que estão todos de olho na Argentina, dizendo que ela é a responsável pelos supostos atrasos na proposta comercial conjunta do Mercosul.
Por outro lado, os assessores alegaram que ninguém pergunta qual é a situação da proposta da União Europeia que, segundo eles, parece atrasada, apesar de não haver data específica para a apresentação do documento conjunto.
O economista argentino Dante Sica, da consultoria Abeceb, de Buenos Aires, lembrou que foi uma iniciativa do Brasil a retomada das discussões para um acordo de livre comércio com a União Europeia – em 2004 também houve tentativa de entendimento, mas o Mercosul não fechou proposta para apresentar aos europeus.
"Em Caracas, a Argentina apresentou uma proposta incompleta. A Argentina está envolvida em barreiras comerciais que afetam a relação comercial com o Brasil e até as discussões sobre a proposta à UE", disse, minutos antes da conclusão da reunião entre as autoridades dos dois países.
Empresários
Em entrevista à BBC Brasil, o presidente da União Industrial Argentina (UIA), Hector Mendes, disse que espera que o acordo seja fechado.
Relação Brasil - Argentina
A relação comercial entre o Brasil e a Argentina vive tempos de tensão desde que o governo argentino passou a aplicar a chamada Declaração Jurada Antecipada de Serviços (DJAs), que na prática é uma barreira comercial que afeta as exportações brasileiras. As DJAs foram implementadas na gestão do polêmico ex-secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, lembrado agora por negociadores e empresários brasileiros por seu estilo "agressivo", como disse um empresário argentino do setor de eletrodomésticos que pediu o anonimato. Por determinação de Moreno, por cada dólar importado por empresa argentina, ela deveria exportar o equivalente a um dólar.
A medida ficou conhecida como "um a um" e levou importadores de automóveis a terem que fazer acordos verbais com outros setores para exportar, por exemplo, limões, como contou o economista Mauricio Claveri, da consultoria Abece, de Buenos Aires, especialista em temas comerciais bilaterais. Esta modalidade de barreiras afetou o setor de fabricação de calçados do Brasil, como afirmou a Associação de Fabricantes de Calçados (Abicalçados) em um comunicado divulgado em novembro.
"É uma decisão da qual não podemos voltar atrás ou perderemos o bonde do rumo econômico mundial. Vamos apoiar o Brasil e queremos que o acordo, primeiro entre o Mercosul e depois com a União Europeia seja fechado", disse. Mas ele fez uma ressalva, dizendo esperar que o acordo seja respeitado.
Por sua vez, o vice-presidente da UIA e responsável pela Coordenadora da Indústria de Produtos Alimentícios da Argentina (Copal), Daniel Funes de Rioja, disse que no setor a postura dos argentinos é "de total concordância" com o Brasil e os outros sócios do bloco. "Nós estamos totalmente afinados com os sócios do Mercosul. Somos uma indústria competitiva e vemos este acordo (com a UE) como positivo", disse.
Nesta quinta, além das discussões sobre à proposta à União Europeia, as autoridades do Brasil e da Argentina analisaram também questões específicas do comércio bilateral (leia ao lado), como a dos calçados e a da indústria automobilística.
De acordo com a Abicalçados, 700 mil pares de calçados brasileiros estariam sendo "impedidos de entrar" no mercado argentino devido às barreiras comerciais. No comunicado, de novembro, a associação disse que estava "inconformada com a passividade" do governo diante das crescentes barreiras comerciais argentinas.
Mas as barreiras comerciais não impediram que o déficit da Argentina com o Brasil continuasse crescendo este ano, com quase US$ 3 bilhões, entre janeiro e novembro – mais de 60% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com dados da Abeceb, a partir dos números oficiais.