Nas últimas semanas, o espaço ficou apertado nos pátios das fábricas brasileiras de automóveis. No fim de março, um total de 387 mil veículos, o equivalente a 48 dias de vendas, aguardava o momento de ser despachado para seus novos donos. Trata-se do volume mais elevado desde novembro de 2008, quando a crise financeira internacional paralisou as vendas e o estoque chegou a 56 dias. Para reduzir esse estoque, justamente num momento em que as vendas caíram – no primeiro trimestre, a redução foi de 2,1% em relação ao mesmo período do ano passado –; a indústria pediu ajuda ao governo.
O roteiro já é conhecido: responsável por 18,7% do PIB industrial brasileiro, o setor automobilístico usa sua influência para convencer o governo de que é preciso reduzir o imposto para diminuir os preços e estimular as vendas. Tradicionalmente, a resposta do governo tem sido reduzir impostos para diminuir os preços e estimular as vendas. Desta vez, porém, deve ser diferente. Com os gastos públicos crescendo mais do que a receita, o IPI deve mesmo aumentar a partir de julho, como está previsto desde o ano passado. A prorrogação do IPI menor nem sequer vem sendo discutida pelos ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, responsáveis pelas conversas com representantes do setor automotivo.
O superávit do primeiro trimestre ficou em 1,08% do PIB, bem abaixo da meta de 1,55% prometida pelo governo em fevereiro, o que reduz o espaço fiscal para novas desonerações. Sem a possibilidade de benefício, o pacote de bondades do governo ficou mais restrito e deve ter duas vertentes: medidas regulatórias para estimular os financiamentos bancários e normalização do comércio com a Argentina, destino de 75% das exportações de automóveis brasileiros e de 38% das autopeças produzidas no País. Para melhorar o mercado interno, o governo deve fomentar a concessão do crédito bancário.
O diagnóstico do ministro da Fazenda, Guido Mantega, é de que a restrição ao crédito tem prejudicado as vendas. “De cada dez cadastros que entram, apenas cinco são aprovados”, afirmou o ministro na segunda-feira 28. “Se não houvesse essa restrição, estaríamos com o PIB crescendo mais de 3%.” No primeiro trimestre deste ano, o estoque de financiamentos de veículos caiu 1,5% em relação ao mesmo período do ano passado, mas o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, que na terça-feira 29 participou de um evento sobre economia brasileira na Câmara dos Deputados, ao lado do ministro, discordou do diagnóstico. “Não existe escassez de crédito”, afirmou Trabuco.
“Temos um PIB potencial e o crédito vai crescer na medida em que haja demanda.” Entre as medidas que serão adotadas está a criação de um fundo garantidor para cobrir os casos de inadimplência. O governo também está estudando o afrouxamento dos requerimentos de capital nas operações de crédito, para corrigir o que considera ter sido um “excesso de prudência” quando essas regras foram criadas para coibir prazos mais longos. Não está em discussão, no entanto, a concessão de facilidades para prazos de financiamento superiores a 60 meses. Com essas medidas, que ainda não estão prontas para ser anunciadas, o governo espera estimular os bancos a diminuir a parcela de entrada exigida dos clientes, hoje entre 40% e 50%, para cerca de 30%, facilitando as vendas.
Apesar de ainda tentarem convencer o governo da necessidade de uma nova ajuda, desta vez as próprias montadoras estão pessimistas. “A Anfavea está conversando com o governo, mas não vejo a possibilidade, nesse momento, de ele fazer alguma coisa”, disse à DINHEIRO o presidente da Fiat, Cledorvino Belini, no mês passado. O presidente da Anfavea, associação que reúne os fabricantes de veículos automotores, Luiz Moan, teve diversas reuniões com o governo nas últimas semanas, mas até agora nenhuma decisão foi tomada. Para as montadoras brasileiras, o acordo com a Argentina é o que mais preocupa.
Para tentar equilibrar o comércio bilateral, os argentinos querem rediscutir o acordo automotivo, que vigora até 30 de junho. O governo brasileiro quer renová-lo nos termos atuais, que permite que o Brasil exporte 95% mais do que importa, sem a cobrança de tarifas. A Argentina quer reduzir essa diferença para 25%. “Estamos vendo a possibilidade de renová-lo por mais 12 meses, nos moldes atuais, enquanto negociamos um aprofundamento da integração da cadeia automotiva”, disse o ministro do Desenvolvimento, Mauro Borges.
Não são boas, porém, as perspectivas de um acordo num prazo curto.
Uma reunião entre governo e fabricantes dos dois países, na terça-feira 29, na sede do Ministério da Fazenda, em Brasília, terminou com a criação de um grupo de trabalho para preparar um novo encontro, nos dias 5 e 6 de maio. O ministro da Economia da Argentina, Axel Kicillof, e a ministra da Indústria, Débora Giorgi, apenas ouviram a proposta brasileira, de criar um fundo para financiar as exportações brasileiras. O Fundo Garantidor de Exportações teria uma linha de crédito de US$ 1 bilhão, podendo chegar a US$ 3 bilhões até o fim do ano, para conceder um prazo de quatro meses para que o Banco Central argentino envie ao Brasil os dólares para pagar as importações do país.
Sem acesso ao mercado internacional desde o calote de 2001, a Argentina tem dificuldade em conseguir dólares para quitar seus compromissos externos, o que levou o governo a adotar medidas restritivas. O comércio entre os dois países já caiu 12% no primeiro trimestre e deve diminuir ainda mais. A Fiat estima uma redução das exportações entre 30% e 40% neste ano. Já a General Motors calcula a queda em 50% e pretende reforçar a produção de carros do lado argentino para driblar as restrições.
“Vamos mudar o mix de produtos vendidos naquele mercado”, afirmou à DINHEIRO o presidente da GM para a América do Sul, Jaime Ardila, em entrevista concedida no mês passado. Em 2013, os embarques da montadora para a Argentina somaram 80 mil unidades, principalmente dos modelos Onix e Prisma. O ano também não será bom para as montadoras de caminhões. Na Mercedes-Benz, a previsão é de queda de 50%, para quatro mil unidades, ante os oito mil veículos vendidos para os argentinos. Sem solução nem para o mercado interno nem para o comércio com a Argentina, as montadoras já começam a reduzir a produção e a enxugar o quadro de pessoal.
Das 20 montadoras instaladas no País, 11 já anunciaram ajustes na produção, como férias coletivas, suspensão temporária de contratos de trabalho (lay-off) e programa de demissão voluntária (PDV). As medidas envolvem cerca de 19 mil trabalhadores diretos. Do lado dos trabalhadores, a postura é de cautela. Para o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, é legítimo defender medidas de incentivo em um momento de desaceleração da economia, mas isso não pode ficar restrito ao setor automotivo. “Quando as montadoras choram, outros setores já estão afogados”, diz. Desta vez, porém, a boia que será jogada pelo governo pode ser insuficiente para resgatar todos os náufragos.
Colaborou: Ana Paulo Ribeiro