Economia é o principal desafio do sucessor de Cristina Kirchner, que se queixa por as estatísticas não serem confiáveis e pede a demissão do governador do Banco Central
A vitória eleitoral foi histórica, representando o fim de 12 anos de kirchnerismo no poder, mas Maurício Macri não tem tempo para festejar. Toma posse como novo presidente da Argentina no dia 10 de dezembro e para hoje já está marcada uma reunião com Cristina Kirchner para começar a tratar da transição. O vencedor, da aliança Cambiemos (Mudemos), tem pela frente um desafio chamado economia e a dificuldade de ser obrigado a negociar, por não ter maioria no Congresso. Ontem, pediu "paciência aos argentinos".
Depois de surpreender o adversário na primeira volta e forçá-lo a uma disputa a dois, Macri impôs-se na segunda volta com 51,4% dos votos. Daniel Scioli, candidato da Frente para a Vitória que contava com o apoio da presidente, ficou-se pelos 48,6%. Uma diferença de cerca de 700 mil votos, mais curta do que a prevista pelas sondagens, que chegaram a apontar uma vitória por 12 pontos percentuais.
"Hoje é um dia histórico, uma mudança de era que vai ser maravilhosa", afirmou Macri no discurso de vitória, já madrugada em Lisboa, agradecendo a todos os que acreditaram que "juntos podemos construir a Argentina que sonhamos" e dizendo não querer "deter-se em vinganças ou ajustes de contas". Mas ontem prometeu corrigir os erros de 12 anos de governo kirchnerista - Néstor Kirchner foi eleito em 2003 e Cristina está no poder desde 2007.
"O grande problema da Argentina é que há quatro anos que não há crescimento, que não são criados empregos e agora temos de pôr o país a andar", disse Macri, ex-presidente do clube Boca Juniors que nos últimos oito anos foi presidente do governo de Buenos Aires. "Temos de corrigir as coisas que é preciso corrigir", acrescentou na primeira conferência de imprensa. Macri criticou o facto de o Banco Central não ser independente (apelou à demissão do governador, Alejandro Vanoli) e de as estatísticas oficiais não serem "confiáveis".
De facto, Macri não sabe o que vai encontrar. Segundo os números oficiais, o PIB argentino cresceu 2,8% em setembro, quando comparado com o mesmo mês de 2014. Contudo, os organismos internacionais dizem que o país terminará o ano com um crescimento de 0,4% e haverá uma contração do PIB de 0,7% em 2016. Outra dúvida é o valor real da inflação: os dados oficiais dizem que é de 11,9%, mas a oposição aponta para 25%. Os analistas falam ainda noutras duas incógnitas: o valor real do défice fiscal primário (4800 milhões de dólares no primeiro semestre, segundo o governo) e o nível das reservas monetárias (26 mil milhões de dólares, de acordo com o Banco Central).
Macri anunciou ontem que não terá um ministro da Economia, mas um da Fazenda e das Finanças, que fará parte de um gabinete económico composto também pelos titulares das pastas do Trabalho, Energia, Produção, Transporte e Agricultura. E pediu "um pouco de paciência", sabendo-se contudo que quer acabar com o controlo de capitais e eliminar taxas à exportação.
O novo presidente, o terceiro desde 1983 que não é peronista (os outros dois não chegaram ao fim do mandato), terá de governar sem maioria. No Congresso tem apenas 91 dos 257 de deputados e 15 de 72 senadores (a maioria em ambas as câmaras pertence aos kirchneristas). Será assim obrigado a negociar.
Política externa
O presidente eleito explicou ontem que vai pedir na cimeira do Mercosul (prevista para 21 de dezembro) a suspensão da Venezuela do grupo. "É evidente que a cláusula democrática deve ser invocada porque as acusações [de violação de direitos humanos] são claras, não são inventadas." Na festa de Macri estava Lilian Tintori, mulher do líder opositor Leopoldo López, preso há mais de um ano. Macri anunciou que a sua primeira visita externa será ao Brasil, principal parceiro económico da Argentina.