O fim da fantasia do câmbio na Argentina demorou menos de 24 horas para mostrar ao país a dura realidade da economia. Na quarta-feira 16, o novo ministro da Fazenda e Finanças, Alfonso Prat-Gay, acabou com a restrição à compra de dólares criada em 2011 pelo governo Cristina Kirchner. Se antes os argentinos conviviam com três câmbios (o oficial, o paralelo e o negro), desde a quinta 17 a moeda é única, livre e flutuante. O efeito foi imediato. Negociado sem impedimento, o peso se desvalorizou 42% frente a divisa americana e fechou o dia cotado a 13,75 para a compra e 13,95 para a venda.
Essa foi a maior desvalorização desde a crise de 2002, numa demonstração que o presidente Mauricio Macri vai promover os ajustes que forem necessários. Em menos de sete dias ocupando a principal cadeira da Casa Rosada, ele mostrou que nenhum nó ficará atado: cortou as barreiras burocráticas que impediam a exportação e importação de produtos e deu sinais de que o Mercosul voltará a ter protagonismo econômico nas negociações com outros blocos comerciais. “A Argentina voltará a ter mais exposição no cenário internacional e terá um relacionamento mais firme com países da Europa ocidental”, diz Juan Barboza, ex-economista do Banco Central da República Argentina e atual responsável pela área macroeconômica do Itaú Unibanco na Argentina.
“O país reduzirá o contato com Irã e Rússia e voltará a focar no Mercosul e Europa.” O presidente Macri mostrou não ser fã da perda de tempo, nem de indecisões. Em uma de suas primeiras manifestações públicas, disse que o Mercosul precisa avançar nos acordos com os europeus e convergir para uma aliança com o Pacífico para aumentar o intercâmbio geral. Ao se mostrar disposto a destravar o bloco, Macri recolocou a economia como protagonista e deixou os empresários brasileiros eufóricos com as oportunidades que devem ser geradas.
“A Cristina Kirchner tinha um viés muito protecionista e o Macri percebeu que, se o Mercosul não deslanchar, ficaremos sozinhos”, afirma Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal. “Agora, poderemos trabalhar em conjunto para eliminar as cotas no mercado de carnes de alto valor agregado da União Europeia. Com certeza, agora temos um grande aliado.” Entre as novas medidas, o governo argentino eliminou as faixas tributárias do agronegócio. Os impostos para a exportação de milho, trigo, girassol e carne bovina foram zerados, enquanto o da soja foi reduzido para 30%.
A decisão deve ajudar os produtores a liquidar os estoques e promover uma entrada de mais de US$ 8 bilhões em divisas. No Brasil, a liberação agradou fabricantes de massas e biscoitos, como a cearense M.Dias Branco, que importa 70% do trigo utilizado para sua produção. A alta tributação imposta pelo legado Kirchner e a obrigação da venda no mercado interno fizeram a empresa brasileira buscar matéria-prima no Canadá e nos EUA. Esse cenário, agora, voltará a ser como era há cinco anos. “A Argentina produz um dos melhores trigos do mundo”, diz Daniel Gutierrez, diretor da M.Dias Branco. “Ainda é cedo para estimar quanto aumentarão nossas importações da Argentina, mas com certeza a medida impactará no nosso consumo de trigo.”
Assim como os importadores, os empresários que exportam comemoraram as decisões de Macri. O governo argentino eliminou a Declaração Jurada Antecipada de Importação (DJAI), uma barreira comercial que exigia o aval estatal para a entrada de 19 mil produtos no país. Mesmo com a DJAI, havia o risco de o banco central impedir o pagamento em razão do controle cambial. Nesse cenário, alguns produtos demoravam 120 dias para serem liberados, inviabilizando o planejamento da indústria brasileira. Macri concedeu licença automática para 18 mil que estavam restritos, como peças para o setor automotivo.
A Fiat, por exemplo, reclamava das barreiras para a entrada de peças do Brasil. Os 1 mil restantes continuarão sob controle, mas seguirão as necessidades do setor privado e não do governo. Os setores de calçados, têxtil e eletroeletrônicos, que têm um parque industrial relevante na Argentina, estão no segundo grupo. “Havia muitas controvérsias comerciais com o Brasil que estavam estancadas”, diz Eric Ritondale, economista-chefe da Econviews, consultoria de Buenos Aires especializada em economia e finanças. “A Argentina vivia um retrocesso nas relações comerciais e, agora, o regime deve voltar ao normal.”