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1 de Janeiro de 2013 - 9h46
Um ano depois da clara vitória eleitoral que renovou o mandato da presidente Cristina Fernandéz Kirchner (CFK), a Argentina encontra-se numa encruzilhada. Sob o impacto da crise do capitalismo o crescimento económico afunila-se e o governo em Buenos Aires perde campo de manobra para a adoção de medidas redistributivas que não colidam frontalmente com os interesses dos grandes grupos económicos.
Por Luís Carapinha*
O espectro da alta inflação e da austeridade volta a pairar num país que só recuperou parcialmente do desastre capitalista de 2001, após anos de incubação neoliberal pura e dura, seguindo à linha o receituário do FMI e os ditames do então Consenso de Washington. Nas últimas semanas a agitação política e social desbordou as ruas com manifestações e contra-manifestações.
Na contestação à presidente e ao kirchnerismo, a corrente mais avançada no interior do partido peronista que chegou ao poder em 2003 através do ex-presidente, Nestor Kirchner, falecido em 2010, confluem forças e sectores diversos que vão da oposição de direita (incluindo desde o interior do peronismo) e da social-democracia à extrema-esquerda.
Com as centrais sindicais CGT e CTA divididas e em parte cooptadas, os representantes do grande capital tomam demagogicamente a "defesa" das reivindicações dos trabalhadores, como aconteceu na greve geral de 20 de Novembro, esperando assim que estes ajudem a transportar a água ao seu moinho.
O complexo quadro argentino torna evidente que a contra-ofensiva dos EUA na América Latina aposta muito forte no cone Sul para poder inverter a correlação de forças, estancar os variados processos de cooperação e integração latino-americana que desafiam o seu domínio, como a Unasul, Mercosul, Alba e Celac, e liquidar os processos progressistas e revolucionários em curso. A aposta na desestabilização argentina e na reversão da política latino-americana de Buenos Aires – que dispensou o FMI e foi palco do enterro da Alca –, o golpe perpetrado no Paraguai e as ameaças militares representadas pela reativação da IV Frota dos EUA e a instalação de bases na América do Sul são peças do mesmo puzzle.
Acrescente-se aqui a ocupação por Londres das ilhas Malvinas da Argentina, que dentro de dias completará 180 anos, e a deslocação de modernos meios militares e funcionamento no território das Malvinas de uma base militar da Otan, em violação da resolução da ONU sobre a preservação do Atlântico Sul como zona de paz e cooperação.
Rafael Correia, presidente do Equador, lembrava há dias que os avanços progressistas dos últimos anos na América Latina não são irreversíveis.
Na Argentina, no rescaldo da descida ao abismo de 2001, foram implementadas políticas de soberania, abertas as portas a uma viragem para a integração e cooperação regionais e adoptadas medidas de conteúdo social importantes, ainda que insuficientes.
O corte com o FMI e consequente reestruturação da colossal dívida externa argentina é por alguns considerada a maior expropriação sofrida pelo capital financeiro à escala mundial. A Argentina é o único país sul-americano onde os esbirros da ditadura militar (1976-83) foram julgados e condenados, incluindo o general Videla.
Os julgamentos prosseguem e nestes dias foi conhecida a sentença do primeiro alto funcionário civil da ditadura. No seu primeiro ano depois da reeleição, CFK avançou para a nacionalização da petrolífera YPF e tenta aplicar uma nova Lei contra a concentração nos media.
Contudo, o agravamento da contestação social e das contradições no interior do peronismo, a pressão dos interesses da grande burguesia argentina aliada das potências imperialistas indiciam o esgotamento das medidas progressistas do ciclo kirchnerista. Para os comunistas argentinos (PCA) que conservando a sua base independente apoiam o Governo de CFK, o grande desafio é o de avançar no caminho do aprofundamento de mudanças estruturais ou soçobrar à "restauração" exigida pelos interesses da oligarquia.
*Luís Carapinha é membro do Partido Comunista Português.
Fonte: Avante!