BUENOS AIRES — Em meio a sua disputa judicial com o Clarín pela plena aplicação da Lei de Meios, que estipula regras e limites para os grupos de mídai do país, a presidente argentina, Cristina Kirchner, participou na noite deste domingo de um Festival pela Pátria, os Direitos Humanos e a Democracia, evento organizado pela Casa Rosada. Apesar de a Câmara Civil e Comercial ter resolvido, quinta-feira passada, prorrogar uma liminar obtida pelo Clarín em 2009, que suspende a aplicação da Lei de Meios, no ano em que ela foi aprovada, e também, que o grupo recorreu aos tribunais para denunciar a suposta inconstitucionalidade dos artigos 45 e 161, o governo decidiu realizar o festival e Cristina foi a única oradora:
— Queremos uma Justiça menos corporativa — disse a presidente, em seu vigésimo terceiro discurso transmitido em rede nacional de rádio e TV este ano.
Cristina lembrou que seu marido e antecessor, o ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007), falecido em outubro de 2010, foi o encarregado de renovar a Corte Suprema de Justiça, que agora tem em suas mãos o futuro do processo iniciado pelo Clarín. Semana passada, a Casa Rosada pediu à Corte que anule a decisão da Câmara Civil e Comercial e nos próximos dias o máximo tribunal deverá dar uma resposta ao governo. A simples decisão de analisar o expediente implicará a suspensão da liminar obtida pelo Clarín. Para que a liminar seja mantida, a Corte deveria negar a solicitação do Executivo, que utilizou a recentemente aprovada Lei do Per Saltum para pedir que o máximo tribunal anule a decisão de uma instância inferior. Se os artigos denunciados pelo Clarín forem aplicados, o grupo poderia perder dezenas de licenças de rádio e TV.
— Se não se tem respeito à vontade do Parlamento, se não se respeitam as leis que legalmente emanam de lá, de que democracia estamos falando? Quero uma democracia plena e profunda, comprometida, sem privilégios —disse a chefe de Estado argentina.
Cristina assegurou que todos os argentinos devem demandar “a democratização dos três poderes do Estado”, em clara referência ao Judiciário, que vive uma de suas piores crises das últimas décadas. Semana passada, os juizes de todo o país denunciaram pressões do governo, especificamente no caso Clarín.
— A independência (da Justiça) deve ser do poder político mas também do poder econômico das corporações — assegurou a presidente argentina.
Segundo Cristina, “as pessoas sentem que existem setores que continuam desrespeitando a vontade popular. Não o digo somente pela Lei de Meios, também pelos cidadãos que acreditam que magistrados deixam em liberdade pessoas depois voltam a delinquir”.
— As pessoas estão cansadas e querem uma Justiça que sinta o povo — insistiu Cristina, em mais uma alfinetada ao Judiciário de seu país.
Sem dar nomes, a presidente acusou meios de comunicação privados de terem sido cúmplices da última ditadura militar (1976-1983) e assegurou que hoje muitos políticos têm “medo” de alguns jornais.
— Era comum ouvir que com quatro primeiras páginas de um jornal se derrubavam governos — declarou a presidente.
O festival começou à tarde e contou com a participação de quase todos os membros do gabinete argentino. Os ministros marcharam pela Praça de Maio, cenário escolhido para a grande festa, cantando “vai acabar, já vai morrer, a ditadura do Clarín”. A Casa Rosada tentou não relacionar o festival com sua guerra contra o Clarín, mas o conflito esteve presente durante todo o evento. Cristina entregou prêmios a artistas e defensores dos direitos humanos, mas não deixou de mencionar
O presidente da Autoridade Federal de Serviços Audiovisuais (AFCSA), o deputado kirchnerista Martin Sabatella, pediu à Corte Suprema de Justiça que “resolva rápido” o pedido apresentado pelo governo semana passada.
— Mais do que nunca, hoje temos de festejar com alegria um momento histórico e de transformações para o país — afirmou Sabatella.