Às vésperas do dia 7 de dezembro, batizado de '7D', quando terminaria o prazo para que as empresas argentinas de audiovisual se adaptassem à nova lei de mídia, a Justiça do país surpreendeu e deu na noite desta quinta-feira parecer favorável ao Grupo Clarín, o maior do setor. A decisão repercutiu negativamente no governo e em seus apoiadores.
Com a medida, continuam suspensos os dois artigos que o grupo questiona, argumentando 'direitos empresariais adquiridos'. A suspensão durará até que a Justiça tenha um parecer definitivo sobre estes itens.
Os artigos determinam que as empresas do ramo de rádio e de televisão entreguem as licenças que superem os limites impostos pela lei aprovada em 2009. Caso contrário, o governo interviria e escolheria quais empresas os conglomerados teriam de abrir mão para ir, assim, a leilão.
A decisão da Justiça ocorreu em meio a uma escalada de tensão envolvendo o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, a partir das diferenças sobre a aplicação da legislação.
O deputado governista Carlos Kunkel afirmou que a Suprema Corte de Justiça tentava dar "um golpe institucional" contra o governo. O ministro da Justiça, Julio Alak, disse que a implementação da lei não poderia esperar porque "já se passaram mais de três anos da aprovação" do texto e a "lei deve ser respeitada".
O governo e o Clarín travam uma disputa na Justiça que já dura mais de três anos. O deputado da oposição Ricardo Gil Laavedra, da União Cívica Radical (UCR), disse que o "famoso 7D passou a ser uma casca vazia" e que o governo estava "atropelando princípios constitucionais de divisão de poderes".
Nesta quinta, juízes divulgaram comunicado, defendendo a "independência judicial" e "divisão de poderes".
O representante do governo para implementação da lei, Martín Sabatella, da Autoridade Federal de Serviços da Comunicação Audiovisual (AFSCA), afirmou que a decisão da Justiça, favorável ao Clarín, é "uma vergonha" e o governo voltará a apelar à Suprema Corte.
Para entender a polêmica, a BBC Brasil fez uma lista de perguntas e respostas sobre o tema. Confira.
O que diz a lei de mídia audiovisual da Argentina?
A lei prevê a "regulamentação" dos serviços de comunicação audiovisual e a "desconcentração" do setor no país. O texto determina que os "monopólios" devem ser evitados. A lei fixa que a programação deve contar com, no mínimo, 70% de produção nacional e, no caso das rádios, pelo menos 30% de música nacional. No geral, as licenças terão duração de dez anos e poderão ser prorrogadas uma "única vez" por outros dez anos. Para que o mesmo grupo privado mantenha a licença de rádio ou de televisão, deverá disputar licitações.
Como a lei define os tamanhos dos grupos empresariais do setor audiovisual?
A lei determina o limite de 24 licenças de meios audiovisuais. O Grupo Clarín supera amplamente estes limites. Os que tenham transmissão por satélite não poderão ter outro tipo de licença audiovisual; nenhum grupo empresarial poderá ter mais de 35% da fatia nacional de mercado, seja pelo total de habitantes ou de consumidores.
Por que o Grupo Clarín, o maior do país, questiona a lei?
O Grupo Clarín possui licenças de rádio, de TV aberta e a cabo. O conglomerado questionou na Justiça dois artigos da lei (45 e 161) argumentando que eles afetam o "direito adquirido" de propriedade. O artigo 161, por exemplo, diz que os grupos devem se "adaptar" aos limites de licenças definido na lei, no prazo de um ano.
De um lado o governo dizia que a lei entraria em vigor em 7 de dezembro; de outro, o Grupo Clarín discorda. O que está acontecendo?
O grupo de mídia entende que não deveria se desfazer de parte de suas licenças enquanto a discussão está na Justiça. O grupo entrou com uma ação cautelar nos fóruns em diferentes instâncias para vetar os artigos que o obrigariam a se desfazer de parte das licenças de audiovisuais que possui hoje. O governo interpreta que, três anos após a aprovação da lei, ela deveria entrar totalmente em vigor. Foi assim que a presidente Cristina Kirchner fixou a data de 7 de dezembro – popularmente chamado de ‘7D’.
O que o governo pretende fazer a partir do prazo que entende que a lei deve entrar em vigor?
A presidente disse que no próximo dia 10, dia dos Direitos Humanos, a lei deveria começar a ser aplicada. Porém, com a decisão da justiça, surgem dúvidas sobre a aplicação destes artigos da lei, como queria o governo.
Como a sociedade argentina tem reagido à polêmica sobre a lei?
Entidades de direitos humanos, como as Mães da Praça de Maio, artistas, como o cantor Fito Paez, escritores, como Ricardo Piglia, e o CELs (Centro de Estudos Legais e Sociais) entendem que a lei gerará o "pluralismo de vozes".
Setores da oposição apóiam o Grupo Clarín, argumentando que apesar da lei, os artigos questionados não deveriam ser aplicados enquanto a Justiça não chegar ao parecer final. A oposição critica a suposta presença de empresários ligados ao governo que seriam favorecidos com as novas licenças, como afirmou o ex-governador socialista Hermes Binner. Setores da oposição afirmaram ainda que a aplicação da lei antes do parecer da justiça "pode gerar incertezas jurídicas" e "afugente" novos investimentos, como disse o deputado Ricardo Alfonsín (UCR). A controvérsia tem sido um dos temas mais presentes nas redes sociais.
Como ficaria o mapa dos meios de comunicação no país?
Restam dúvidas, mas tenderia a aumentar a descentralização dos meios de comunicação, já que inclui licenças para universidades, comunidades indígenas e localidades.
Quais dúvidas persistem?
A principal dúvida agora é saber como seguirá a disputa entre o governo e o Grupo Clarín e se os artigos questionados serão aplicados ou não. Um outro questionamento, não menos importante, é com o que acontecerá com as licenças que mudarão de donos. Por exemplo, se os novos donos vão garantir todos os postos de trabalho, o que levou Sabatella a pedir aos sindicatos que "estejam atentos".