Dirceu e Cerezo em cerco a jogador do Peru, na vitória por 3 a 0 conquistada em Mendoza: equipe dirigida por Coutinho voltou como "campeã moral"
A maioria dos países da América do Sul vivia o auge dos regimes militares em 1978, quando a Argentina sediava pela primeira vez uma Copa do Mundo. Embora os europeus tenham ameaçado boicotar a competição em protesto contra as ditaduras, a disputa transcorreu normalmente do início ao fim. Pelo menos fora das quatro linhas. Nos gramados, o que se viu foi a mobilização intensa dos donos da casa para conquistar o título a qualquer custo.
No fim dos anos 1970, a Seleção Brasileira já não tinha o mesmo brilho da geração que conquistou o tricampeonato no México. Porém, contava com jogadores experientes, como o goleiro Leão e o armador Rivellino, além dos que faziam seu primeiro Mundial, como os atleticanos Cerezo e Reinaldo.
O time verde-amarelo passou parte das eliminatórias sob o comando de Osvaldo Brandão, mas ele foi substituído por Cláudio Coutinho, ex-técnico da Seleção Olímpica.
Se sobrava habilidade individual, faltava um conjunto forte, capaz de ameaçar os adversários. As contusões eram outra dificuldade. O lateral Zé Maria foi cortado antes da competição, enquanto Nelinho, Zico e Reinaldo chegaram longe das melhores condições físicas. Ainda assim, o Brasil foi a única seleção a terminar a disputa de forma invicta, com quatro vitórias e três empates. Ironicamente, Coutinho declarou no retorno ao país que a equipe foi “campeã moral”, apontando supostas injustiças e aspectos polêmicos que marcaram aquela Copa, sugerindo ter havido benefícios à anfitriã, Argentina.
Na primeira fase, o Brasil fez campanha sem brilho. Na estreia, diante da Suécia, os jogadores questionaram a arbitragem do galês Clive Thomas. A partida estava empatada por 1 a 1 – com gol de Reinaldo, primeiro atleticano a marcar num Mundial –, quando ele assinalou o fim do confronto justamente no instante em que Zico cabeceou para o fundo das redes em cobrança de escanteio de Nelinho. A CBD fez protesto formal na Fifa e o árbitro europeu nunca mais apitou numa Copa. Em seguida, os brasileiros ficaram em nova igualdade, agora sem gols, com a Espanha e só derrotaram a Áustria por 1 a 0 graças a um gol de Roberto Dinamite, que tomaria a posição de Reinaldo, numa polêmica que envolveu pressões supostamente políticas. O Brasil perdeu o primeiro lugar da chave.
Ao lado de Alemanha, Holanda (respectivamente, campeã e vice-campeã em 1974) e Brasil, a Argentina figurava entre as favoritas. E um triunfo também tinha cunho político. O general Jorge Rafael Videla, então presidente do país, governado por uma junta militar, utilizou o Mundial como forte propaganda política e de afirmação nacional. O técnico Cesar Luiz Menotti sofreu intensa pressão para assegurar o troféu. A seleção de Daniel Passarela e Mario Kempes, porém, sofreu nos primeiros jogos. Foi derrotada na estreia pela Itália por 1 a 0 e obteve vitórias difíceis sobre Hungria e França (ambas por 2 a 1). A classificação ocorreu na base da raça e da superação, pois o time não mostrava futebol consistente.
No quadrangular semifinal, Brasil e Argentina caíram no mesmo grupo, ao lado de Polônia e Peru. O primeiro colocado chegaria à final. Se os brasileiros golearam o Peru por 3 a 0, a Argentina não teve dificuldades para vencer os poloneses por 2 a 0. O clássico sul-americano entre as duas seleções, na rodada seguinte, terminou empatado por 0 a 0, em Rosário, em jogo muito violento e de entradas duras – contudo, ninguém foi expulso.
Na terceira rodada, ocorreu a maior polêmica da Copa. Os argentinos pressionaram a Fifa e conseguiram que os brasileiros entrassem em campo contra a Polônia mais cedo. O time de Cláudio Coutinho ganhou por 3 a 1. Os donos da casa só iriam à decisão se vencessem o Peru por pelo menos 4 a 0. Eles golearam por 6 a 0, num confronto em que foi posta em xeque a atuação do goleiro Quiroga, nascido no país-sede daquele Mundial.
MISSÃO CUMPRIDA Argentina e Holanda disputaram o título inédito, no Monumental de Núñez. Os anfitriões fizeram os europeus esperarem 10 minutos para entrar em campo e começar o duelo. Além disso, o capitão Passarela deixou o adversário mais nervoso quando alegou ao delegado da partida que o armador René van de Kerkhof, que tinha um gesso em seu braço fraturado, poderia machucar os demais. O holandês foi obrigado a retirar a proteção. A catimba deu certo. Apoiado por mais de 71 mil pessoas, o time de Menotti venceu na prorrogação por 3 a 1 e conquistou seu primeiro título mundial. Aos 23 anos, Kempes terminou como artilheiro mais jovem: seis gols.
Como consolo, o Brasil bateu a Itália por 2 a 1 na disputa do terceiro lugar, com gols de Dirceu e Nelinho, de falta. Alguns jogadores da equipe, como Batista, Oscar, Toninho Cerezo e Zico, encantariam o mundo quatro anos depois, na Espanha, mas acabariam eliminados pela Itália, de Paolo Rossi.
PERSONAGEM
Nelinho
Dono de um dos mais potentes chutes da história do futebol, o lateral-direito carioca Nelinho dedicou grande parte da carreira aos dois grandes clubes de Minas, Cruzeiro (1973 a 1980) e Atlético (1983 a 1988). Depois de ser titular por três vezes na campanha inexpressiva de 1974, na Alemanha, ele foi convocado de última hora para ocupar o lugar de Zé Maria, cortado por lesão. O atleta chegou à Argentina com o status de melhor do mundo na posição, credenciado pelo título da Copa Libertadores de 1976, conquistado pela Raposa. Por mais que o desempenho brasileiro não tenha sido dos melhores, o jogador confirmou sua capacidade técnica ao balançar as redes por duas vezes, sendo uma delas no 2 a 1 que garantiu o terceiro lugar sobre a Itália. Foi um dos gols de fora da área mais bonitos de todos os Mundiais – a bola chutada da ala direita em curva enganou o lendário goleiro Dino Zoff.
VOCÊ SABIA?
Antidoping sob suspeita
O jornal inglês The Sunday Times denunciou que os argentinos estavam fraudando testes antidoping. Diziam que a urina para os exames depois de cada partida não era fornecida pelos jogadores, que ingeriam fortes doses de anfetaminas e inibidores de apetite. Um funcionário da Associação de Futebol Argentino (AFA) seria o suposto responsável por fazer xixi no lugar dos atletas
Holandês, o dono do gol 1.000
O gol de número 1.000 na história das Copas foi marcado pelo atacante holandês Rob Resenbrink, de pênalti, na derrota para a Escócia por 3 a 2, na primeira fase
Viagem a mais para brasileiros
4.659 foi o total de quilômetros percorridos pela Seleção Brasileira nos sete jogos do Mundial. A Argentina percorreu apenas 618
Com camisa de time amador
Já eliminadas na primeira fase e protestando contra as más arbitragens, França e Hungria criaram confusão com relação ao uniforme. Ambas as equipes entraram de branco. O árbitro brasileiro Arnaldo César Coelho se recusou a começar a partida enquanto a questão não fosse solucionada. A França acabou jogando com o uniforme do Kimberley, um time amador de Mar del Plata, e venceu por 3 a 1.