As minhas netas, na sua habitual ronda europeia para ver a família antes do regresso ao Rio, preveniram qualquer eventualidade. São luso-britânicas, levaram com elas cachecóis de Portugal, de Inglaterra e, em caso de dúvida, do Brasil. A mais nova queria um cachecol da selecção argentina, que ela também quer que ganhe. Cada classe da sua escola do Rio ficou com o nome de um país do Mundial. A dela é a Argentina. Portanto, por que é que não há-de ganhar a Argentina?
O meu neto diz que é do Real Madrid, uma escolha compreensível, se não fosse por causa de Casillas e não por causa de Ronaldo. Os meus netos vivem num mundo que está permanentemente interligado. As suas escolhas podem ser infinitas. Têm a enorme vantagem de ver em cada selecção europeia jogadores de todas as cores e culturas. Hoje, podemos admirar a juventude e a força da selecção holandesa, que integra um português nascido no Barreiro de pais guineenses, e detestar ao mesmo tempo o “calvinismo” de Haia, com o seu olhar de desdém pelos países do Sul. Com o nacionalismo a ganhar terreno numa Europa que se construiu contra ele, o futebol vai muito mais além do que a política.
Ainda não me esqueci da vitória francesa no Mundial de 1998, com aquela equipa extraordinária, feita de magrebinos, de africanos e de portugueses, onde os franceses “de souche” eram uma pequena minoria. Estava em Paris nessa noite em que os Champs Élisées se encheram de gente até de madrugada para saudar Zidane ou Pires (Pirrez, como eles diziam). Como estava em Berlim quando a Alemanha, já sem Muro e com a unificação em marcha, ganhou o Mundial de 1990. As ruas da capital que ainda não era capital encherem-se de gente empunhando a velha bandeira negra, vermelha e amarela ainda com a águia ao meio, cantando a plenos pulmões o Deutschland Uber Alles, numa manifestação de orgulho nacional ainda muito rara nessa altura. Foi a primeira vez que percebi que alguma coisa ia mesmo mudar. A Alemanha começava o seu trajecto em direcção àquilo a que o antigo chanceler Schroeder chamava de “país normal”. Não foi a minha melhor experiência, devo confessar. Mas não é certamente isso que alimenta o meu desejo de vitória da selecção portuguesa no jogo de logo à tarde.
Não é que a equipa alemã não tenha sofrido a mesma metamorfose de quase todas as outras, integrando jogadores de origem turca, africana ou polaca. Foi um grande passo em frente, ajudado pela alteração à lei da nacionalidade, aprovada em 1999 por iniciativa dos Verdes. Até aí, graças ao jus sanguini, era mais fácil a um alemão instalado na região do Volga há gerações adquirir a nacionalidade alemã do que à segunda geração de turcos a viver na Alemanha. A questão é outra. Há uma máxima futebolística, que eu nunca percebi muito bem, segundo a qual há 11 jogadores de cada lado e, no fim, vence a Alemanha. O problema é que essa velha máxima, mesmo que não se aplique ao futebol, aplica-se hoje à política europeia. São 28 à volta da mesa do Conselho Europeu mas, no final, ganha sempre a Alemanha. Regressando ao futebol, até poderia ser vantajoso que a Alemanha ganhasse o jogo de logo à tarde, desde que com uma condição: que a chanceler aprendesse que, no futebol como na Europa, é a diversidade que faz a força. Mesmo assim, na dúvida, que vença a nossa selecção.