Grécia a dançar o tango?

Muito se tem falado da Grécia. Dizem-se coisas boas sobre os gregos e coisas más sobre o Syriza. E vice-versa. Mas pouco se fala do futuro da Grécia depois de um eventual cenário de incumprimento. A temida bancarrota e a sua imprevisibilidade, que os argentinos bem conhecem.

Numa altura em que todos os olhos estão postos na Grécia e nas negociações infindáveis com os credores internacionais, pode ser útil olhar para a Argentina e colocar a realidade grega em perspectiva.

Não se trata de comparar o incomparável nem de fazer futurologia. Muito menos se trata de ostracizar argentinos ou gregos e respectivos países. Apesar de, por ironia do destino, o ostracismo ser proveniente da Grécia antiga. 

A Argentina vive actualmente uma situação política interessante e que vale a pena seguir com atenção. A preparação das eleições de Outubro está a ser observada de longe por americanos, britânicos, chineses e russos com o objectivo de analisar de perto o risco de reinvestir na Argentina.

A actual Presidente Cristina Kirchner não pode recandidatar-se à presidência, após ter cumprido dois mandatos sucessivos, mas influenciou a escolha do candidato do seu partido. E em 2019 deverá estar de volta como candidata à presidência...

Enquadramento e personagens políticas à parte, que também não têm comparacão com as gregas, importa salientar que as políticas seguidas originaram elevados níveis de despesa do Estado, elevados défices orçamentais e elevada inflação.

Alguns dados económicos básicos mostram o quão mal está a correr a vida aos argentinos.

A taxa de inflação oficial é de 15% mas economistas independentes colocam-na nos 25-30%. O défice orçamental no primeiro trimestre deste ano foi de $6,4bi, três vezes superior ao do período homólogo do ano anterior. O valor do défice em Março deste ano foi de $3bi, seis vezes superior ao registado em Março de 2014. O investimento directo estrangeiro na Argentina foi de $8bi em 2014, contra $63bi no Brasil, $44bi no México e $20bi no seu vizinho Chile. As exportações deverão descer para $63bi este ano, face à média de $82bi entre 2011 e 2013.

A resposta do governo tem sido financiar-se com elevados custos junto de investidores em alto risco. A Argentina emite obrigações a 10 anos em dólares a pagar quase 9%, enquanto o Perú emite a 35 anos a pagar 4,73%. O vizinho pobre da Argentina, o Paraguai, paga 4,15% em emissões a 15 anos.

Esta espiral de financiamento de curto prazo a custos elevados permite financiar aumentos de pensões, subsídios e prestações sociais que garantiram a reeleicão de Kirchner e que garantirão a eleição do seu sucessor. Mas piora a situação actual e futura da Argentina e dos argentinos, aumentando a dívida e os seus custos para níveis incomportáveis.

Mas Kirchner e a sua equipa de sonho continuam imparáveis. Há umas semanas atrás referiam que a Alemanha tem uma percentagem de pessoas a viver na pobreza maior que a Argentina. Defendia Kirchner que este era um indicador de progresso económico dos últimos 12 anos do seu legado, e do seu marido, a gerir o país.

O mundo paralelo de Kirchner na Argentina não tem paralelo com o mundo próprio do Syriza, mas dá que pensar no futuro da Grécia, de Portugal e da Europa. As opções de hoje, que já são limitadas pelo passado, condicionam as escolhas do futuro.

Resta saber quem terá coragem para aceitar o desafio de equilibrar as contas públicas e corrigir os desajustamentos macroeconómicos, com os inevitáveis custos sociais. Antes que seja tarde demais...

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