Por Paulo Passos e Renan Prates
Na esquina da rua Placido Martinez com a avenida Itália, às margens do rio Paraná, na cidade de Corrientes, no interior da Argentina, um busto do Almirante Guillermo Brown mostra sinais de má conservação. Pichado e sujo, a homenagem a um dos heróis da independência da Argentina, considerado o pai da Marinha do país, não chama atenção de quem passa pelo local. O mesmo se pode dizer do prédio que fica em frente, hoje abandonado, com janelas de vidros quebrados, e que abrigou um hotel na década de 90. Foi ali, há exatos 18 anos, que durante pouco mais de dois meses Diego Armando Maradona morou.
Em um projeto inusitado e polêmico, o eterno ídolo argentino viveu a sua primeira experiência como treinador de uma equipe, o Deportivo Mandiyú, de Corrientes, no nordeste do país. Financiado pelo empresário Roberto Cruz, ex-deputado aliado do então presidente Carlos Menen, a equipe apostou na repercussão que a ida do astro, na época suspenso do futebol, após ter sido pego no exame antidoping na Copa do Mundo de 1994, poderia trazer.
Maradona dirigiu o clube em 12 partidas do Campeonato Argentino. Após seis empates, cinco derrotas e apenas uma vitória, deixou a equipe brigado com o dono e reclamando de atrasos em pagamentos.
Dezoito anos depois são quase nulas as lembranças da passagem de Maradona por Corrientes. Nenhuma homenagem, nome de rua, praça, nem mesmo um busto sujo e pichado há para o ex-camisa 10. As páginas em preto e branco do arquivo do jornal El Litoral são uma das poucas maneiras de encontrar lembranças daquela aventura maradoniana.
“Foi algo, realmente, muito inusitado. O clube tinha sido vendido para o deputado Roberto Cruz, empresário de negócios nebulosos. Ele resolveu trazer o Maradona. Do dia para a noite Corrientes era o centro do futebol da Argentina”, lembra o jornalista Roberto Carapá.
O repórter do jornal El Litoral foi escalado para acompanhar a rotina do astro na cidade. Maradona vivia no único hotel cinco estrelas da cidade, que fica a mil quilômetros de distancia da capital Buenos Aires.
“Ele tinha um andar inteiro do hotel. Ninguém podia entrar lá. Havia todo um isolamento. Maradona vivia um dos seus piores momentos com as drogas”, lembra Capará. “O treino do Mandiyú tinha público de jogo. Ele era o maior ídolo do país”, completa.
O preparador físico Jorge Esposito se diz um privilegiado de ter convivido com Maradona durante os dois meses do astro em Corrientes. Na época, ele integrava a comissão técnica do clube.
“Ele era imprevisível. Nunca sabíamos se ele iria aos treinamentos. Era uma estrela e agia como tal. Vivia também um momento complicado da sua vida pessoal, com o envolvimento com as drogas ainda muito presente”, diz Esposito.
“Lembro dos churrascos que fazíamos. Nesses, Diego nunca faltava e era sempre o personagem principal, com suas histórias. Nos treinamentos ele fazia questão de mostrar sua habilidade com a bola nos pés. Fazia embaixadinha com uma bola de golfe, um chaveiro, uma pedra, o que aparecia na frente. Era genial!”, lembra o ex-colega.
Como não tinha autorização para ser técnico, Maradona comandava a equipe da arquibancada. No banco ficava o também ex-jogador Carlos Fren, seu braço direito na época. O time tinha também o ex-goleiro Sergio Goycochea.
“Já no primeiro mês, começamos a ter problemas de pagamento de salário. Depois disso, tudo desandou. Maradona foi embora e o clube acabou sendo rebaixado”, conta Esposito.
Depois da queda, Roberto Cruz, que pagou US$ 2 milhões pelo Mandiyú, abandonou o clube. Um ano depois do sonho de contar com Maradona, a equipe teve que fechar as portas por não ter dinheiro para pagar as dívidas e nem mesmo a taxa para a inscrição no campeonato local.