Mas a possibilidade de que um presidente de direita, duro e puro, como Mauricio Macri, se torne presidente da Argentina é, preocupantemente, uma possibilidade real. O que isso significaria para a Argentina e para a América Latina?
Os atuais presidentes dos países progressistas na região tiveram vitórias com vantagens tranquilas no caso do Uruguai, do Equador e da Bolívia, e com resultados muito estreitos, no caso da Venezuela e do Brasil. Mas desta vez se trata da possibilidade real de uma derrota do candidato apoiado por Cristina Kirchner e que representaria a continuidade dos governos iniciados por Néstor Kirchner e continuados por ela.
Seria a primeira derrota de um governo progressista na região, desde o triunfo de Hugo Chávez em 1998. Seria a quebra da frente de seis governos sul-americanos, que atuam de forma coesa e com programas de governos similares.
Até o primeiro turno das eleições presidenciais, nada fazia prever essa possibilidade. A única dúvida era se o candidato da Cristina Kirchner para sucedê-la ganharia no primeiro ou no segundo turno. A diferença apertada, de pouco menos de 3% de votos, redefiniu as projeções para o segundo turno, transferindo o favoritismo para Macri.
Macri representa um adversário distinto daqueles que o peronismo normalmente enfrentou – candidatos do Partido Radical. As duas vezes em que, nesse marco – à exceção do longo período em que o peronismo estava proscrito –, o radicalismo triunfou, com Alfonsín e com De la Rua, foi quando o peronismo se desmoralizou, primeiro com o governo de Isabel Peron, prévio ao golpe militar de 1976. A outra, com a desmoralização do governo peronista de Carlos Menem.
Agora, pela primeira vez, o radicalismo nem apresenta candidato próprio à Presidência, apoiou a Mauricio Macri, deixando de ocupar lugar central na cena política argentina. No entanto, a direita dura e pura, pela primeira vez, polariza com o peronismo e com possibilidades reais de vitória.
Embora o eleitorado de direita votasse sempre nos radicais para derrotar o peronismo, o radicalismo não representava uma direita radical. Alfonsín era muito progressista, De la Rua deu continuidade à política suicida de Menem e a bomba explodiu nas suas mãos. Nos dois casos, os presidentes radicais não terminaram seus mandatos.
Macri representa a direita tradicional argentina, com gurus econômicos neoliberais duros, com política de repressão aos movimentos populares, com todos os traços conservadores nos seus dois mandatos na Prefeitura de Buenos Aires. Apesar de que, quando tinha graves riscos de perder as eleições no primeiro turno, assumiu a continuidade de várias ações do governo de Cristina – seus programas sociais, a estatização de YPF e de Aerolineas Argentinas, entre outros –, os 20 pontos do seu programa de governo começam com uma forte postura de diminuição da ação do Estado na economia.
Diante dos problemas econômicos, que ocupam um lugar importante na decisão de voto dos argentinos, em particular a inflação e o câmbio, é onde Macri tem as propostas mais incisivas e mais polêmicas, antes de tudo a liberação do câmbio, com todas as suas consequências sobre os preços, os salários, o emprego, a recessão. Prioriza também o combate à inflação, com a retirada de subsídios, como o do consumo de energia.
Conforme seu estilo de governo em Buenos Aires, Macri tem uma política de segurança pública muito dura, mas propõe, ao mesmo tempo, retroceder na Lei de Meios, estendendo as relações promíscuas que ele tem com os meios de comunicação.
Na politica internacional, ao mesmo tempo que reafirma a parceria estratégica com o Brasil e com o Mercosul, ambiguamente fala de acordos diretos com os Estados Unidos, sabendo que esse tipo de acordo é incompatível com o Mercosul. Afirma que tem consciência do apoio do Lula e da Dilma ao Scioli, mas se arrisca a dizer que teria melhores relações com a Dilma do que as que seu adversário poderia ter.
Restam poucos dias, há praticamente só o encerramento de campanha dos candidatos. O clima é favorável à vitória da oposição, com todas suas consequências sobre a Argentina e sobre a América Latina, a começar pelas eleições parlamentares de 6 de dezembro na Venezuela.
O que pode ainda alterar essa previsão é a militância kirchnerista na rua – de forma similar ao segundo turno aqui –, o salto alto da oposição e as margens de erro das pesquisas.