Argentina
Presidente argentina exalta sua gestão como ‘a que mais fez’ para esclarecer atentado e levanta questões sobre trabalho de mais de dez anos de Alberto Nisman. Sobrou até para o 'Clarín'
A presidente da Argentina, Cristina Kirchner
(Enrique Marcarian/Reuters/VEJA)
As investigações sobre a morte do promotor Alberto Nisman mal começaram, mas um texto assinado por ninguém menos do que a presidente da República Argentina já fala abertamente em "suicídio" – conclusão ainda apressada, segundo a própria procuradora Viviana Fein, que investiga o caso. Encontrado morto nesta segunda, Nisman denunciou o governo argentino por pactuar com o iraniano para encobrir envolvidos no atentado terrorista contra a sede da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em julho de 1994, que deixou 85 mortos.
Em uma longa carta publicada na noite desta segunda-feira em sua página no Facebook, a presidente Cristina Kirchner tenta desqualificar as investigações feitas por ele ao longo de mais de uma década. Sobrou até para o Clarín, jornal que enfrenta animosidade do governo desde que se tornou crítico das políticas dos Kirchner.
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“A morte de uma pessoa sempre causa dor e perda entre seus entes queridos, e consternação nos demais. O suicídio provoca, além disso, em todos os casos, primeiro: estupor, e depois: questionamentos. O que levou uma pessoa a tomar a terrível decisão de tirar a própria vida?”, diz o primeiro parágrafo do texto.
Nisman foi achado morto na madrugada desta segunda-feira em seu apartamento em Puerto Madero, Buenos Aires, com um tiro na têmpora direita, disparado por uma arma calibre 22. Há razões para ceticismo diante da hipótese de suicídio apontada de início pelo secretário de Segurança Nacional, Sergio Berni, e reforçada pelo Ministério Público.
O promotor havia sido alvo de ameaças – em uma ocasião, um recado foi deixado em sua secretária eletrônica advertindo que ele seria caçado e levado a uma prisão iraniana. Além disso, a denúncia contra Cristina apresentada na quarta-feira e a audiência marcada para esta semana no Congresso com o objetivo de apresentar mais detalhes representava o coroamento de um trabalho de investigação iniciado há mais de dez anos.
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Mesmo assim, Cristina continua em sua carta intitulada "Amia. Outra vez: tragédia, confusão, mentira e perguntas": "No caso do suicídio? do promotor do caso Amia, Alberto Nisman, não há apenas estupor e perguntas, mas também uma história muito longa, muito pesada, muito dura, e, sobretudo, muito sórdida: a tragédia do maior atentado terrorista que se produziu na Argentina”.
A presidente detalha sua participação nas primeiras investigações sobre o ataque e afirma que sua gestão foi “a que mais fez” para o esclarecimento do caso. E passa a atacar o promotor. “Curiosa e sugestivamente se tenta converter [o governo], 21 anos mais tarde, em encobridor por tratar de permitir a interrogação dos imputados iranianos mediante um Tratado Internacional aprovado por lei do Congresso”.
Cristina refere-se a aprovação no Legislativo de um pacto assinado entre Argentina e Irã em janeiro de 2013 prevendo a criação de uma comissão para revisar as atuações judiciais em relação ao atentado e recomendar um plano de ação para seu esclarecimento. O acordo previa ainda que os iranianos acusados seriam interrogados em Teerã pelo promotor e juiz encarregados do caso na Argentina.
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No discurso da mandatária, Nisman fazia parte de uma conspiração, como indicam questões como “quem pode acreditar que alguém que tinha uma denuncia institucional tão grave contra a presidente, seu chanceler, que professa a fé judía, ou contra o secretário-geral de uma organização juvenil que, quando ocorreu o atentado, estava no 5º anos do secundário, saiu de férias e de repente as interrompe e, em pleno recesso judicial, sem avisar o juiz do caso, apresenta uma denúncia de 350 folhas que evidentemente devia ter preparado com antecedência? Ou será que alguém as deu a ele quando voltou?”.
Imprensa – Ela então vira a artilharia contra o jornal Clarín, primeiro, com um estapafúrdio questionamento sobre a manchete para a marcha contra o terror que reuniu milhões na França – assunto que, aliás, foi manchete da maioria dos jornais no mundo.
Em seguida, a presidente questiona a manchete do dia seguinte, 13 de janeiro, afirmando que o chanceler Héctor Timerman recebeu ordem de não participar da marcha em Paris, e diz que a afirmação foi desmentida pela presença do ministro na manifestação. O problema é que, ao tentar explicar sua ausência entre as lideranças que encabeçaram o evento alegando ter participado como "um cidadão comum" e não como representante do governo.
Em artigo, o Clarín avaliou que o argumento do chanceler correspondia a mais um "desatino". "Reconhecer ter participado da marcha em Paris em qualidade pessoal e não como enviado do governo argentino é uma clara evidência de uma decisão claramente controversa que acrescenta mais um fato a uma série de posições ambivalentes no que se refere à luta contra o terrorismo internacional".
A propósito, a presidente ainda questionou se não seria uma "coincidência" uma das manchetes seguintes ser sobre a acusação de Nisman – assunto mais importante da última semana, obviamente. Será que Cristina queria que o jornal de oposição ao governo ignorasse a denúncia?
Quem é citado na denúncia sobre o atentado contra a Amia
Promotor argentino acusa presidente Cristina Kirchner e vários apoiadores de negociar com o Irã para encobrir envolvidos em ataque contra centro judaico em 1994
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Cristina Kirchner, presidente da Argentina
Segundo a denúncia do procurador Nisman, a presidente Cristina foi quem avalizou o "plano criminoso de impunidade", que em "todos os momentos esteve sob seu controle", seja dando "ordens diretas a seus cúmplices ou conduzindo o discurso público necessário para camuflar a o delito". Ainda de acordo com a denúncia da promotoria, Cristina considerava Néstor Kirchner como o "principal obstáculo" para o plano de acobertamento dos iranianos e só pôde colocar a "confabulação criminal" em prática após a morte de seu marido e antecessor, em 2010.
A presidente argentina também ordenou a suspensão dos alertas vermelhos da Interpol contra os iranianos acusados de envolvimento no atentado; autorizou acordos secretos com os iranianos e deu sinal verde para a produção de provas falsas para redirecionar a responsabilidade pelo ataque.
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Cristina Kirchner, presidente da Argentina
Segundo a denúncia do procurador Nisman, a presidente Cristina foi quem avalizou o "plano criminoso de impunidade", que em "todos os momentos esteve sob seu controle", seja dando "ordens diretas a seus cúmplices ou conduzindo o discurso público necessário para camuflar a o delito". Ainda de acordo com a denúncia da promotoria, Cristina considerava Néstor Kirchner como o "principal obstáculo" para o plano de acobertamento dos iranianos e só pôde colocar a "confabulação criminal" em prática após a morte de seu marido e antecessor, em 2010.
A presidente argentina também ordenou a suspensão dos alertas vermelhos da Interpol contra os iranianos acusados de envolvimento no atentado; autorizou acordos secretos com os iranianos e deu sinal verde para a produção de provas falsas para redirecionar a responsabilidade pelo ataque.
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Hector Timerman, ministro das Relações Exteriores
O promotor acusa o chanceler Timmerman de ser o "principal artífice do plano de impunidade". Foi ele quem transmitiu ao Irã a decisão de "abandonar" a investigação do caso Amia. Ele também prometeu aos iranianos a suspensão dos alertas vermelhos para a captura dos acusados e insistiu – sem êxito – com a chefia da Interpol para interceder nesse sentido.
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Andrés "Cuervo" Larroque, deputado federal kirchnerista
A denúncia sustenta que o deputado Larroque foi uma "peça-chave" no esquema. Por sua proximidade com Cristina Kirchner, foi ele quem transmitiu as decisões e ordens da presidente para "proteger" as negociações. O deputado também é secretário-geral do grupo juvenil kirchnerista La Cámpora.
4 de 9
Luis D'Elía, dirigente kirchnerista
Apoiador do regime dos aiatolás e do governo kirchnerista, o ativista foi transmissor e receptor de mensagens clandestinas entre o governo e os iranianos, aponta a denúncia.
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Fernando Esteche, chefe do movimento Quebracho
A denúncia afirma que Esteche foi quem aproximou Jorge Khalil a funcionários do setor de inteligência da Argentina. Esteche também teria dado ideias sobre como construir uma hipótese falsa sobre o atentado.
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Héctor Yrimia, ex-promotor responsável pelo caso da Amia
Em uma das escutas, Khalil afirma ter tido uma conversa com o promotor da causa, "o que estava antes, não o de agora". Em outra gravação, diz que Yrimia e o pessoal de inteligência “são os que estão acomodando toda a história”. Para Nisman, o antigo responsável pelo caso trabalhou na construção de uma pista alternativa falsa.
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Agentes de inteligência
Não se sabe ao certo quantos são os agentes de inteligência envolvidos nem suas identidades. Mas para Nisman, a participação desses agentes foi "imprescindível" para levar adiante os "projetos criminosos" da presidente e de seu chanceler. "Me disseram em ‘la Casa’ (referência à Side, a secretaria de inteligência argentina) que a Interpol vai suspender o pedido de captura dos amigos", diz um dos espiões em uma das escutas, de acordo com o promotor.
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Jorge "Yussuf" Khalil
Segundo a denúncia, Khalil teve um papel central como representante do Irã na Argentina. Era quem reportava a Rabbani e mantinha contatos com D’Elía, Larroque, Esteche, Yrimia e o pessoal de inteligência. As escutas mostram que ele teve problemas com Timerman por ter faltado com sua palavra.
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Mohsen Rabbani, ex-adido cultural do Irã
Rabbani era o principal interlocutor de Khalil para realizar as negociações de “impunidade” com as autoridades argentinas, segundo a acusação. "Aqui há alguns setores do governo que me disseram que estão prontos para vender petróleo para a Argentina. E também comprar armas", oferece, conforme uma das escutas realizadas. Rabanni é um dos cinco iranianos com alerta de busca da Interpol.
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