Neste domingo, 25 de outubro, acontecem as eleições presidenciais argentinas. Há boas possibilidades de que tudo seja resolvido no mesmo dia, já que sistema eleitoral determina duas alternativas de triunfo já no primeiro turno: se um candidato obtém mais de 40% dos votos, desde imponha uma diferença de mais de 10% sobre o segundo colocado – ou se um candidato consegue mais de 45%, sem depender de nenhum outro fator.
Todas as pesquisas de opinião apontam que uma vitória de Daniel Scioli, candidato da Frente para a Vitória (FpV), já no primeiro turno é um cenário possível, embora a margem de erro não permita considerá-la uma certeza.
Scioli é um dirigente que integra a FpV desde o seu princípio. Em 2003, foi eleito vice-presidente, junto com Néstor Kirchner. Em 2007 e 2011, foi eleito e reeleito governador da Província de Buenos Aires. Ele tem outro perfil e carisma que os Kirchner. Em suas palavras e em seus atos se constata uma fidelidade à tradição do peronismo.
Entre os concorrentes opositores estão o conservador Mauricio Macri, um empresário neoliberal, ex-presidente do Boca Juniors e prefeito da Cidade de Buenos Aires, cujos assessores econômicos se assemelham bastante a Pedro Malan, Elena Landau e companhia, e Sergio Massa, um político cujo perfil pode ser definido como uma versão argentina do PMDB: dono de uma moral sinuosa e disposto a reivindicar todo tipo de interesses específicos.
Mais Estado e mais mercado
O que está em disputa é uma orientação geral do processo político, econômico e cultural. A continuidade do que foi feito durante os governos de Néstor e Cristina Kirchner, significa administrar derrubando os mitos e crenças preparadas pelas elites e pelos tecnocratas internacionais. Por exemplo, acabar com o mito da autonomia do Banco Central permitiu regular o mercado cambial, fazer uso de suas reservas para o pagamento da dívida externa e orientar parte do crédito outorgado pela banca privada às atividades produtivas.
Nestes 12 anos, o Estado tem atuado na regulação dos preços relativos, promovendo as exportações industriais e principalmente o consumo interno. Essa política de “mais Estado e mais mercado” é o que permitiu que o poder de compra dos argentinos tenha aumentado, apesar da inflação. Também contribuiu para isso o estabelecimento de um salário mínimo anual – o mais alto em dólares e capacidade de compra da região –, as convenções de trabalhadores para negociações paritárias anuais de fixação dos salários – das 5 realizadas em 2003, se passou a 1,3 mil em 2015 –, no mesmo período em que o desemprego caiu de 25% a 7%.
A indústria argentina gerou ao menos 3 milhões de postos de trabalho nesta última década, e viu entrar em funcionamento centenas de novos parques industriais disseminados por todo o país. A expansão das pequenas e médias empresas foi fundamental para aumentar a criação de empregos, assim como a diminuição da estrangeirização, com a nacionalização de algumas das grandes empresas públicas que foram privatizadas nos Anos 90: Correios, as empresas de serviços de água e saneamento, a Aerolíneas Argentinas e, fundamentalmente, a YPF (sigla em espanhol para Jazidas Petrolíferas Fiscais).
Por sua parte, o que fariam Macri ou Massa? Eles mesmos disseram durante a campanha: se desprender dos ativos “ociosos” do Estado, “equilibrar as contas fiscais”, “garantir a confiança dos investidores”…
Durante os governos kirchneristas, foi estabelecida a Bolsa Universal por Filho (AUH, por sua sigla em espanhol), o principal programa de proteção social do país, que ajuda a desempregados e trabalhadores informais. Atualmente, o país entrega quase 3 milhões de AUHs por mês. Para dar continuidade ao programa – a bolsa é entregue desde a gravidez até os 18 anos dos filhos –, se criou o Plano Progredir, que subsidia jovens entre 18 e 25 anos, para que continuem seus estudos.
Também foi lançado o Plano Procriar, para que os setores médios pudessem construir ou melhorar suas casas, enquanto continuam as construções de novas moradias sociais para os setores de baixa renda. Foram construídos 2 mil escolas em todo o país e se criaram 15 universidades nacionais novas. Graças às sucessivas moratórias por falta de recursos, 97% dos argentinos maiores de 65 anos estão aposentados, recebendo mensalmente uma quantia que por lei nacional, é ajustada duas vezes por ano.
Foram criados ou reciclados centenas de centros culturais em todo o país – em muitos casos, velhas salas cinematográficas – as produções teatrais e cinematográficas foram apoiadas ativamente, fazendo de Buenos Aires a cidade de fala espanhola com mais apresentações. Se recuperou o conceito de turismo social, quase gratuito, e se promoveu o turismo interno – sem diminuir o turismo regional: o Brasil continua sendo o principal destino turístico dos argentinos.
Integração ou dependência
Desde o começo do seu projeto, a FpV promoveu a ideia da integração entre seus líderes e militantes de origem não peronista. Entre os candidatos que se apresentam nesta eleição pela FpV há dirigentes vindos da União Cívica Radical (UCR), socialistas, comunistas, independentes e das diferentes variantes do próprio peronismo.
Neste 12 anos, a liberdade de imprensa foi respeitada como de forma paciente na Argentina – apesar da disputa contra as corporações midiáticas, que se transformaram na verdadeira oposição política do país. Não houve intervenção do Poder Executivo em nenhuma província. As decisões parlamentárias sempre foram respeitadas, mesmo nos tempos em que a FpV ficou em minoria. Também se garantiu a autonomia do Poder Judicial, que, em muitas oportunidades foi abertamente hostil ao kirchnerismo.
Houve uma integração política e territorial, com uma visão federal do processo histórico: dezenas de milhares de quilômetros de estradas construídas, o dobro das pistas existentes até 2003, a reparação de vias e a compra de material para as ferrovias – que estavam totalmente abandonadas –, além da recuperação da Aerolíneas Argentinas, que agora voa diariamente a todas as capitais de províncias – estabelecendo entre elas pontes aéreas que já não passam pela cidade de Buenos Aires. A integração nacional permitiu o florescimento saudável da identidade nacional. Como disse o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, durante o funeral de Néstor Kirchner: “ele foi quem devolveu a autoestima aos argentinos”.
A integração econômica regional é de ainda maior importância estratégica. A FpV e seu candidato estipularam que a relação com o Brasil e os países do Mercosul é vital para o seu próprio destino. A poucos dias do aniversário da histórica decisão tomada em conjunto por Hugo Chávez, Lula e Néstor Kirchner, de terminar com a ALCA – em Mar del Plata, em novembro de 2005 –, Scioli reafirmou essa orientação fundamental, sustentando que só a partir de um Mercosul fortalecido se poderá, eventualmente, serem desenvolvidas relações frutíferas com a União Europeia. O candidato da FpV estabeleceu relações pessoais com todos os líderes regionais e já recebeu o apoio do governo venezuelano, dos ex-presidentes Lula e Pepe Mujica, da presidenta Dilma Rousseff e do mandatário equatoriano Rafael Correa.
O que se pode dizer a respeito de Mauricio Macri e Sergio Massa? Os telegramas do Wikileaks revelam que ambos são visitantes habituais da Embaixada dos Estados Unidos, bastante habituais, além de serem abertamente partidários de uma aproximação com a Aliança do Pacífico, e de uma economia argentina que deve “se abrir ao mundo” – o que deve ser lido também como se fechar para a região.
No fim das contas, os termos das disputas eleitorais na América Latina continuam sendo bastante similares desde que Hugo Chávez deu o pontapé inicial do novo ciclo político, em 1998. Neste domingo, a Argentina não será uma excepção.
Amílcar Salas Oroño é um cientista político argentino.
Lucio Salas Oroño é escritor argentino.
Tradução: Victor Farinelli