Direitos humanos não são pretexto para outras agendas, diz …

13/11/2012- 06h03

ISABEL FLECK
DE SÃO PAULO

Em janeiro de 2013, o Brasil volta ao Conselho de Direitos Humanos da ONU como membro pleno, com direito a voto sobre resoluções do organismo.

E pretende, durante seus três anos de mandato, fazer com que as violações de direitos humanos em diferentes países sejam tratadas da mesma forma.

“Temos que procurar evitar que o conselho se interesse por um tipo de violação num país e não se preocupe com a mesma violação no outro”, disse à Folha, por telefone, de Genebra a embaixadora Maria Nazareth Farani, representante do Brasil para o conselho.

Segundo a embaixadora, a posição do Brasil é de compensar essa “seletividade” trazendo temas específicos para as discussões. Com isso, países poupados do debate por razões políticas também teriam seus casos avaliados.

No caso do Brasil, a embaixadora nega, contudo, que o governo seja mais brando ao votar sobre violações de governos amigos, como Teerã.

Esse será o terceiro mandato do país desde 2006, quando o órgão foi criado. O Brasil foi eleito com 184 votos entre 193 países-membros, junto com Argentina e Venezuela.

Leia a entrevista abaixo.

Folha – Brasil, Argentina e Venezuela foram os únicos candidatos às três vagas para a região no Conselho de Direitos Humanos. A ausência de concorrência não faz com que os países se acomodem em seus compromissos sobre o tema?

Maria Nazareth Farani - O ideal seria que tivéssemos um número de interessados maior do que o de vagas, como teve o grupo ocidental [que inclui europeus e EUA]. Mas se o país candidato não obtém o mínimo de 97 votos, ele não é eleito. E é um direito soberano de cada país se abster ou votar contra. O Brasil recebeu uma votação muito expressiva, o que é um reconhecimento de que o país pode dar uma contribuição importante ao conselho. É um reconhecimento de que buscamos uma atuação com base nos princípios da imparcialidade, da objetividade, da não seletividade.

O conselho tem sido seletivo na escolha dos países discutidos? Há temas importantes que não estão em pauta?

Sim, existem problemas semelhantes em países diferentes que não são trazidos ao Conselho de Direitos Humanos. Todo país tem problemas de direitos humanos, alguns mais evidentes ou graves, outros menos. Temos que procurar evitar que o conselho se interesse por um tipo de violação num país e não se preocupe com a mesma violação no outro. O conselho deve tratar os direitos humanos como fim e não como meio –não como pretexto para tratar outras agendas.

Por que o Brasil não propõe que países que estão de fora das discussões no conselho, por razões políticas, sejam também debatidos?

O Brasil tem que ser cuidadoso nisso e tem administrado essa lacuna pela via temática. Buscamos compensar essa seletividade trazendo temas para a mesa, sem dizer que está trazendo tal tema para discutir um país específico. Essa abordagem serve em alguns casos, mas quando a violação já é sistemática, grave e emergencial, o conselho tem que atuar rapidamente e de forma mais local.

É o caso da Síria.

Sim. No caso da Síria, o conselho tem deliberado sem parar desde a sua primeira manifestação: aprovamos oito resoluções, criamos uma comissão de inquérito que já preparou três relatórios, aprovamos uma resolução que cria um relator, convocamos quatro sessões especiais e um debate urgente. Temos sido muito vocais junto à comunidade internacional para dizer que as violações têm acontecido, que precisamos defender as vítimas. O Conselho de Direitos Humanos está fazendo o seu trabalho no caso da Síria.

Mas enquanto o Conselho de Direitos Humanos condena as violações na Síria, o Conselho de Segurança da ONU não consegue aprovar resoluções contra o regime. Um diálogo mais intenso entre os dois poderia ajudar a acabar com o impasse em Nova York?

O Conselho de Direitos Humanos tem que tratar sobre direitos humanos. Mas a situação da Síria tem várias outras perspectivas, que precisam ser tratadas pelos órgãos competentes. O diálogo com o Conselho de Segurança existe, a Alta Comissária [da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay] já foi chamada para falar sobre Síria três ou quatro vezes. O professor Paulo Sérgio Pinheiro [que presidente a comissão de inquérito sobre Síria] já esteve duas vezes falando ao Conselho de Segurança. Mas existem outras questões que são alheias ao Conselho de Direitos Humanos, em que ele não pode ajudar a vencer determinados impasses.

O Brasil é criticado por se abster em algumas resoluções sobre violações de direitos humanos em países amigos, como no Irã. Há uma seletividade por parte do governo brasileiro ao votar?

Em Genebra, o Brasil votou a favor da resolução que criou o relator especial sobre as violações de direitos humanos no Irã. O caso de Nova York [quando o Brasil se absteve em novembro de 2011 sobre resolução condenando o Irã numa comissão da Assembleia Geral] tem que ser olhado sob diferentes perspectivas, é um outro processo.

Mas a presidente já disse que o governo não vai fechar os olhos para violações de direitos humanos onde quer que eles ocorram.

O Brasil assumirá mais um mandato no conselho com falhas graves em seu sistema prisional e sem cumprir recomendações da ONU já aceitas -algumas há mais de dez anos. O país vai cumpri-las agora?

Recentemente a ministra Maria do Rosário [da Secretaria de Direitos Humanos] esteve aqui em Genebra, liderando uma delegação muito representativa da sociedade brasileira, para apresentar toda a política de direitos humanos do Brasil. Recebemos 170 recomendações, aceitamos 159 delas e vamos implementá-las. Entre elas, havia várias nessa área do sistema prisional e explicamos que é um processo que está em curso no Brasil.

Mas ninguém –nem a ministra– disse que o Brasil não tem esses problemas. Nessa área prisional estamos tomando várias providências, mas elas não acontecem da noite para o dia. Elas exigem consultas e, no Brasil, há dezenas de conselhos nacionais e regionais de direitos humanos que são ouvidos.

Mas a criação de uma instituição nacional de direitos humanos está no papel desde 1994…

O Brasil tem um órgão parecido, mas não está totalmente em linha com os Princípios de Paris: um conselho totalmente independente do governo, composto só pela sociedade civil. Existe um conselho que é presidido pela ministra Maria do Rosário e que se reúne com essas dezenas de conselhos regionais.

Alguns defensores dos direitos humanos têm pressa que as coisas aconteçam e eles estão certos. Mas nós temos processos: há um Congresso, há diferentes conselhos, todos querem opinar. Tem que ouvir todo mundo, ou corremos o risco de acelerar um processo e satisfazer alguns mas criar problemas com outros.

Que discussões o Brasil pretende propor durante seus três anos de mandato?

Vamos tentar passar uma ou duas resoluções sobre temas diferentes na área da saúde, com os países do Grulac (América Latina e Caribe), do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) e dos Brics (com Rússia, China, Índia e África do Sul).

Pedimos um relatório sobre direito à saúde e o acesso a medicamentos, para tratar do preço dos remédios — às vezes ele é tão alto que impede que os sistemas de saúde dos países disponibilizem os medicamentos para os doentes.

Também temos duas ou três iniciativas sobre idosos, além de trabalhar temas como a relação entre racismo e educação e racismo e democracia.

Estamos trabalhando ainda num projeto com mulheres embaixadoras sobre a questão do gênero, porque a mulher é sempre trazida ao conselho, mas sempre na condição de vítima –e é importante que a gente fale também da mulher no poder, da mulher que inspira e transforma a agenda do país.

A Venezuela também foi eleita para o conselho, depois de se retirar da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Não é um contrassenso?

A Venezuela é um parceiro importante para o Brasil no Conselho de Direitos Humanos e o Brasil está muito satisfeito de ter a Venezuela no conselho.

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