Com reservas internacionais de pouco mais de US$ 27 bilhões, a Argentina vive uma verdadeira “guerra cambial”. Todas as medidas tomadas nos últimos três anos para recompor os depósitos em moeda estrangeira têm se mostrado inócuas, enquanto a inflação dispara. Só para ilustrar, em janeiro de 2011, o Banco Central argentino detinha US$ 52,6 bilhões em divisas externas, quase o dobro de hoje.
Na segunda-feira, Cristina Kirchner publicou na internet uma campanha para tentar reprimir a alta dos preços, após a desvalorização de 23% do peso em janeiro. A presidente tem utilizado o Facebook para atacar empresários, doleiros e sindicalistas. Em mensagens provocativas, apelava para que a população se unisse em defesa dos preços e reiterava acusações aos empresários que, segundo ela, “saqueiam” o bolso dos argentinos.
A estratégia visa à promoção da propaganda oficial que convoca a população a fiscalizar as majorações de produtos incluídos na lista de quase 200 itens do programa de congelamento denominado “preços cuidados”. A lista entrou em vigor no início do ano e integra o terceiro programa de congelamento desde o início de março de 2013.
Ora, programas de congelamento de preços, sabemos todos, não funcionam. Não deram certo no Brasil e não darão certo na Argentina. Basta ver que a inflação naquele país namora com um galopante 5% ao mês desde o início do ano. Os preços seguem crescendo em velocidade de PIB chinês e a moeda derretendo em ritmo bolivariano.
A reação do governo contra o empresariado incentiva uma espécie de levante da população contra o varejo, visto como o vilão do descontrole de preços — incita a luta de classes. Ainda na semana passada, organizações kirchneristas espalharam na capital Buenos Aires painéis com fotos dos principais empresários do país na área do varejo, culpando-os pela deterioração econômica e acusando-os de “assaltar” o dinheiro dos trabalhadores. Na mira, estão os executivos das maiores redes de supermercados e de eletroeletrônicos. Cartazes atacavam também a Shell, que reajustou os combustíveis em 12% para compensar a alta do dólar.
Desesperada com a fuga de capitais internacionais, a presidente argentina já adotou medidas heterodoxas, como premiar com perdão os cidadãos que repatriassem dólares depositados ilegalmente no exterior. Evidentemente, não deu certo.
Agora, Cristina determinou ao Banco Central que interrompa a liberação de divisas para importações e aconselhou as empresas a postergarem os pagamentos aos seus fornecedores por até 180 dias, em um escrachado estímulo ao calote.
No Brasil, setores como o calçadista, que já enfrenta barreiras para ingressar em território argentino, começam a repensar as relações com o vizinho. É possível que a sugestão de calote se estenda imediatamente para outros segmentos, atingindo em cheio a economia brasileira e, particularmente, a gaúcha.
Só no ano passado, o Brasil exportou para a Argentina — nosso terceiro maior parceiro comercial — algo próximo a US$ 20 bilhões. Neste ano, a cifra deve ficar bem abaixo disso. Mas o pior ainda pode acontecer: um default. Então, empresas nacionais serão arrastadas pela caudalosa crise ao lado e, algumas, certamente, vão quebrar. Descolar da economia argentina é urgente.