Cinco dias depois de assumir a Presidência da Argentina, Mauricio Macri já enfrenta seu primeiro escândalo político. O motivo é a nomeação, por decreto e sem a aprovação do Senado, de dois ministros para a Suprema Corte: Carlos Rosenkrantz e Horacio Rosatti.
Por meio do Decreto 83/2015 o Governo Nacional designou dois dos cinco juízes do Superior Tribunal de Justiça em matéria de garantias e defesa da Constituição Argentina.
Não é um tema de menor importância, restrito às corporações ou à academia. Pelo contrário, é da agenda cidadã e política, antes que do “poder”. Todo ato de governo pode ser analisado isolada ou contextualmente.
Preferimos observar esta “Suprema Designação” por decreto dentro de um contexto institucional, político e cidadão. É que isoladamente bastará indicar que, por decreto, o Presidente da Nação designou dois juízes da Corte Suprema, sem intervenção do Senado da Nação e sem controle cidadão. Contextualmente, o “Decreto dos Supremos” se insere em uma lógica constitucional ao menos controversa.
O desenho constitucional em tempos de normalidade institucional consiste em realizar uma proposta de candidatos para que, após um período de consultas cidadãs, esta seja tratada no Senado da Nação.
A intervenção do Senado pressupõe outorgar, em parte, maiores níveis de legitimidade ao cargo do juiz e ao Poder Judicial como um todo. Intenta-se assim diminuir as críticas que pesam sobre esse Poder geralmente indicadas como “poder contramajoritário” ou pouco democrático em suas origens. Tema este que se apresenta com diversos matizes, e que por certo não abordaremos nesta ocasião.
Mas também a intervenção do Senado permite que as Províncias, no exercício de suas competências e apreciando critérios de política institucional, prestem ou não o acordo a determinados atos que propõe o governo federal. É parte do desenho federal da distribuição de poder argentino.
O diálogo e o encontro dos distintos olhares das autonomias provinciais se articulam naquilo que se convencionou chamar “federalismo de concertação”. A Constituição assegura a independência e imparcialidade como atributos inerentes à condição de juiz, outorga-lhe sua defesa e a dos direitos humanos.
É uma “característica do poder”, mas essencialmente constitui uma garantia de cidadania da defesa da Constituição e dos direitos: há independência e imparcialidade a partir e para os direitos cidadãos.
O tratamento do Senado da Nação e o anterior procedimento de consulta cidadã previsto no Decreto 222/2003 – este último de caráter geral ou regulamentar que é agora deixado sem efeito por um decreto de caráter individual como o é o que motiva estas linhas – são mecanismos que se idealizaram a fim de construir legitimidade suficiente em termos de independência e imparcialidade individual de todo juiz que finalmente se projeta institucionalmente no Poder Judicial.
Politicamente, adotar uma decisão deste teor importa abandonar a ideia de diálogo e busca de consensos para legitimar a decisão que a partir do poder se adote.
As nomeações em comissão são em nosso critério mecanismos excepcionalíssimos que devem estar justificados em razões de estrita urgência institucional, a qual deve ser explicada sob parâmetros de razoabilidade institucional, política e, fundamentalmente, cidadã.
Não se trata aqui de analisar os currículos dos juízes que já se encontram em função por este “peculiar” mecanismo, senão que, antes, refletir sobre o contexto institucional, político, constitucional e cidadão em que se adota uma decisão de governo.
Os procedimentos de tomada de decisão em nossos sistemas modernos constitucionais constituem a essência da vigência substancial de nossas democracias. Devemos atendê-los, cultivá-los, levá-los à sua máxima potencialidade, de tal forma a avançar a um sistema institucional generoso e não de pequenas miradas conjunturais.
* Pablo Ángel Gutiérrez Colantuono é Diretor da Especialização em Direito Administrativo da Universidade de Comahue, na Argentina, e advogado.