Crédito: Quino/Reprodução
Mafalda, a baixinha mais sábia do mundo, chega aos 50 anos com estatura e encanto de criança de 6 anos. De vestido, cabelo adornado com imenso laço, a personagem chegou para causar revoluções. A pequena filósofa, descrita pelo escritor italiano Umberto Eco como uma “heroína enraivecida”, trouxe novo estilo de humor às tirinhas em quadrinhos, em forma de protesto quando a América do Sul era tomada por ditaduras. Neste ano, uma série de eventos homenageia a garotinha na Argentina, onde nasceu, e ao redor do mundo.
O mais impressionante é que, após 50 anos, as preocupações de Mafalda continuam relevantes, porque muito do que ela questionava permanece sem solução na Argentina e no mundo. Mafalda é visionária e atual. “Às vezes fico surpreso como algumas tiras desenhadas há mais de 40 anos ainda podem ser aplicadas a questões de hoje”, declarou o criador Joaquín Salvador Lavado Tejón, Quino, quando uma exposição sobre a personagem foi inaugurada.
O desenhista e roteirista de 82 anos, que mora parte do ano em Madri e o restante em Buenos Aires, apresentou, por meio do olhar crítico da menina de classe média, a própria visão do mundo. Mafalda não gosta de sopa e critica o mundo dos adultos. Os temas favoritos são os problemas econômicos e sociais, as desigualdades, a injustiça, a corrupção, a guerra e o meio ambiente. “Sem ir muito longe, ano passado saiu na Itália um livro sobre Mafalda. O mais incrível é como muitas histórias pareciam fazer referência direta à campanha de Berlusconi”, comentou Quino.
A personagem nasceu em 29 de setembro de 1964. Por dez anos, o cartunista se dedicou às histórias da menina contestadora. Ele nunca quis perder o contato direto com a própria criação e, por isso, fazia questão de desenhar e criar as histórias protagonizadas por Mafalda. “Deixei de desenhá-la há alguns meses atrás e sinto-me agora mais livre. Depois de dez anos, corria o risco de repetir-me”, disse Quino em entrevista à jornalista Maruja Torres, em 1974, quando decidiu parar de fazer as tirinhas. “Desenhar sempre foi para mim um processo difícil, com Mafalda ou qualquer tipo de humor. Para concretizar uma ideia, farto-me de rasgar papéis.”
O nome da personagem surgiu em alusão à marca dos eletrodomésticos que encomendou a Quino uma tira para campanha publicitária em jornais. “A linha chamava-se Mansfield. Então, inventei um nome parecido: Mafalda”. Em entrevista ao Pasquim, em 1972, Quino explicou a fisiologia de Mafalda. “Me pediram uma história com uma família típica da classe média, que tenha crianças, naturalmente. Para promover artigos para o lar. Tinha que inventar uma história em que os personagens quisessem ter essas coisas que são o sonho da classe média”. Após a publicação do antológico volume 13 anos com Mafalda, a editora viu que era necessário reunir em um só todas as tirinhas que Quino desenhou dela. Surgiu a principal coletânea Toda Mafalda.
"Mafalda não é tão-só uma nova personagem de tira desenhada: sou, para a definir, o adjetivo ‘contestatária’, não foi apenas para a todo custo acompanhar a moda do anticonformismo: Mafalda é realmente uma heroína ‘enraivecida’. (…) Mafalda é um herói do nosso tempo, qualificação que não parece de forma nenhuma exagerada. Mafalda vive uma dialética contínua com o mundo adulto, que não ama nem respeita, mas ridiculariza e repudia, reivindicando o direito de continuar a ser uma menina que não quer incorporar o universo adulto. (…) Mafalda provavelmente leu Che.”
Umberto Eco, em 1969
"Aquilo que eu penso da Mafalda não tem qualquer importância. Realmente importante é aquilo que a Mafalda pensa de mim.”
Julio Cortazar, em 1973
"Mafalda é uma personagem criada na América Latina que logrou obter fama universal. Acho incrível que tenha sucesso na Finlândia.”
Ziraldo, em 1972
Uma vida agitada
1963
Em Buenos Aires, uma agência de publicidade encomenda a Quino uma tirinha com personagens de classe média para apresentar produtos do lar, de forma indireta. Mafalda é criada, mas a ideia acaba indo para a gaveta.
1964
A revista Primera Plana, o mais importante semanário argentino da época, pede colaboração regular a Quino. Ele apresenta Mafalda, que faz aparição pública pela primeira vez.
1965
Em março, Mafalda é publicada em um dos diários mais lidos na Argentina, El Mundo de Buenos Aires. A partir de então, as tiras da personagem são publicadas em todas as semanas e a popularidade de Mafalda aumenta.
1968
Mafalda é traduzida pela primeira vez em outra língua: o italiano.
1969
O primeiro livro de Mafalda é publicado na Europa, Mafalda Contestatária. As tiras são precedidas de uma introdução assinada por Umberto Eco.
1970
Os primeiros livros de Mafalda são publicados na Espanha e em Portugal. No Brasil, surge a primeira publicação, em uma revista de pediatria e de pedagogia.
1971
Mafalda ganha o mundo e é traduzida em inglês, hebraico, francês, dinamarquês, sueco, norueguês, alemão. São lançadas as animações na Argentina.
1977
O Unicef pede a Quino que ilustre com a Mafalda a Declaração dos direitos da criança. Três anos sem criar novas tiras, o autor produz dez vinhetas e pôster.
1981
São lançados os primeiros livros no Brasil e estreia, em Buenos Aires, o longa-metragem de animação da Mafalda.