Controle cambial leva argentinos a sacar dólares no Uruguai

Troca de pesos e dólares (Reuters)

Brecha entre câmbio oficial e paralelo faz com que argentinos busquem a moeda no Uruguai

Os argentinos encontraram um jeitinho para tentar driblar a inflação e equilibrar as contas em tempos de controle cambial no próprio país. Eles estão viajando ao Uruguai, onde é possível sacar dólares nos caixas eletrônicos.

Os argentinos sacam a moeda americana usando seus cartões de crédito ou débito das contas que possuem no país vizinho. Nos dois casos, o objetivo é quase sempre o mesmo: voltar para casa e vender o dólar no câmbio paralelo na Argentina.

A brecha entre o câmbio oficial e o paralelo supera os 60%. Nesta segunda-feira, a moeda americana chegou a ser cotada a 9,30 pesos, no paralelo, segundo o site do jornal de economia El Cronista. No câmbio oficial, a cotação foi de 5,18 pesos, de acordo com o mesmo portal.

Na hora da cobrança dos dólares no cartão de crédito, os bancos na Argentina estipulam o pagamento a partir da cotação oficial ou um pouco acima deste preço.

Os argentinos que viajam às cidades uruguaias estão colocando na ponta do lápis a compra de passagens de barco, estadias em hotéis e alimentação e, ainda assim, entendem que "compensa sacar os dólares" no pais vizinho, como alguns deles contaram à BBC Brasil no Uruguai, sob a condição do anonimato.

Fazer contas e poupar em dólares, além de comprar apartamentos com a moeda americana (em dinheiro vivo), é comum na Argentina pelo menos desde as hiperinflações registradas no país na década de 1980.

'Dólar Colônia'

No fim de semana, na pequena cidade histórica de Colônia do Sacramento, a uma hora de barca da capital argentina, havia longas e demoradas filas nos cinco ou seis caixas eletrônicos locais. O hábito já levou os argentinos a batizar o novo recurso de 'dólar Colônia'.

Na sexta, sábado e domingo últimos, cada pessoa demorava pelo menos 20 minutos sacando dinheiro. Na fila, os que esperavam comentavam que cada um viaja com cartões de familiares e de amigos para sacar dólares para todos.

"Eu vim com meus dois cartões de crédito, o cartão do meu pai e o do meu irmão", disse uma argentina, no sábado à tarde, na fila do Banred, no centro de Colônia. Nas filas, enquanto esperavam a sua vez, eles conversavam sobre os motivos para terem atravessado o rio da Prata, que separa Colônia e Buenos Aires, para buscar dólares.

Casa de câmbio em Buenos Aires

Para analista, questão cambial reflete 'desequilíbrios macroeconômicos'

"Estou prestes a comprar meu apartamento e guardei dólares durante muito tempo. Mas agora faltam alguns dólares e as imobiliárias só aceitam o pagamento com essa moeda (americana). Com o controle de câmbio na Argentina, optei por vir aqui", contou um argentino de 35 anos, que disse ser bancário em Buenos Aires.

Mas no sábado à tarde já não saíam mais dólares dos caixas eletrônicos. "As filas de manhã eram tão grandes que resolvi voltar agora a tarde, mas não foi uma boa ideia", disse uma senhora.

Alguns sacavam, então, o limite permitido, por cada operação, para a moeda local, de 5 mil pesos uruguaios, para trocá-los por dólares nas casas de câmbio. "Na semana que vem eu volto e tento sacar (dólares) de novo", disse outra argentina.

Os motivos da viagem e as contas que fizeram eram os únicos temas nas filas. "O governo argentino vai acabar aplicando alguma nova medida para tentar impedir que a gente venha aqui", disse um senhor. "Qual medida? Mais do que já fizeram? Só se fecharem as fronteiras", disse o bancário.

'Desequilíbrios'

As primeiras notícias sobre a alternativa encontrada pelos argentinos surgiram durante o verão, quando muitos viajaram de férias para balneários uruguaios e voltaram com dólares, segundo a imprensa argentina.

No último fim de semana, o jornal Clarín noticiou que as longas filas de argentinos nos caixas eletrônicos uruguaios repetiam o movimento que já havia sido observado no feriado da Semana Santa, quando "muitos argentinos, na tentativa de driblar o controle cambial, viajaram a diferentes cidades do Uruguai, como Punta del Este, Colônia e Montevidéu, para conseguir dólares".

Ainda de acordo com o jornal, a "modalidade que começou no verão passou a ser uma cena comum, com os argentinos usando cartões de credito para sacar dólares, vendê-los no câmbio paralelo e pagá-lo no câmbio oficial".

Nos últimos tempos, a Administração Federal de Ingressos Públicos (AFIP, a Receita Federal argentina) passou a aplicar imposto de 20% sobre o uso dos cartões de crédito no exterior.

Com isso, segundo a imprensa local, a cotação oficial de 5,18 pesos aumentaria para 6,20 pesos, de acordo com os números desta segunda-feira - ainda assim, longe dos 9,30 pesos da cotação no paralelo.

O governo da presidente Cristina Kirchner implementou o controle cambial no fim de 2011. Neste ano, segundo economistas, foi intensificada a brecha entre o oficial e o paralelo.

"O preço do dólar 'blue' (paralelo) reflete os desequilíbrios macroeconômicos que a Argentina vive hoje", disse o ex-presidente do Banco Central Aldo Pignanelli. Quando lançou a medida, a presidente disse que os "argentinos deveriam passar a pensar na moeda local", e não mais na moeda americana.

Por isso, disse, ela mesma estava passando suas contas em dólares para pesos argentinos.

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