Quem vê os encontros formais entre as presidentes Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, do Brasil e da Argentina, jura que as relações entre os dois países andam as mil maravilhas, com a troca de beijos e fortes abraços. Ledo e, atualmente, perigoso engano. É que, desde alguns anos, Buenos Aires tenta equilibrar suas contas internas e externas às custas de bloqueios comerciais, com artimanhas e contabilidade criativa nada ortodoxas. A participação brasileira no mercado argentino de têxteis, por exemplo, caiu de 25,4% para 22,9%, em 2013, enquanto a dos países asiáticos aumentou de 45% para 49% no mesmo período. O governo da Argentina tem disposição para negociar nesta sexta-feira, em Buenos Aires, mas não pretende abrir mão das Declarações Juramentadas Antecipadas de Importação, um forte entrave ao Brasil.
É que o governo portenho não pode deixar de administrar o comércio porque a política atual é de preservação dos postos de trabalho e da indústria nacional, segundo fontes da Casa Rosada. O fato é que, em janeiro, o comércio bilateral recuou 18,1% e, em fevereiro, 16,9%.
O Brasil vem perdendo participação nos segmentos de cama, mesa, banho e de toda a cadeia do setor têxtil. Com os calçados aconteceu o mesmo desde 2008, quando Cristina Kirchner assumiu o primeiro mandato de quatro anos de governo e reforçou as barreiras. Até então, o governo costumava administrar o comércio por meio de licenças não automáticas e “acordo de cavalheiros” entre os fabricantes de ambos os países para limitar o volume de importação argentina nos setores denominados “sensíveis”, como têxteis, calçados, linha branca de eletrodomésticos e autopeças, entre outros.
Com a chegada da atual presidente ao poder, surgiram uma série de medidas não escritas para limitar a entrada de produtos importados, até chegar às Declarações Juramentadas Antecipadas de Importação (DJAI), em fevereiro de 2012, que implicou exigência generalizada de licenças para a importação. Em 2008, os argentinos importavam 32 milhões de pares de calçados, que baixaram a 19 milhões de pares, em 2013. No mesmo período de comparação, a participação do Brasil recuou de 58% a 46%, enquanto a China subiu de 12% para 20%. É de uma obviedade amazônica que, o que o Brasil perde, a China ganha.
Na reunião de hoje, o governo brasileiro oferecerá como alternativa a ampliação das transações com pagamento em moeda local, o que permitiria fechar operações sem o uso de dólares. Além de reduzir custos financeiros com a conversão de moedas e a dispensa do contrato de câmbio, a medida facilitaria o acesso de pequenos e médios exportadores e importadores, como fabricantes de calçados, do interesse direto do Rio Grande do Sul.
Piorando o quadro, a Argentina aumentou as barreiras e fomentou a importação de peças e componentes para a montagem de eletrodomésticos na Zona Franca de Tierra Del Fuego. Novamente, a China saiu ganhando, porque é mais competitiva e agressiva na exportação destes itens. Porém, especialistas do Itamaraty dizem que para a Argentina não é negócio, porque está dando incentivos fiscais para montar celulares, aparelhos de tevê e outros produtos, sob o argumento de substituição de importações, mas as peças são todas de fora.