Clarín e governo argentino travam batalha de vídeos pela Lei de Meios
Há meses, os argentinos são telespectadores de uma batalha televisionada entre o Grupo Clarín e do governo da presidente Cristina Kirchner. O cerne da polêmica é a Lei de Serviços de Comunicação Áudio-visual, conhecida como “Lei de Meios”. Apesar de antecedentes de uma disputa em vídeo iniciada antes da aprovação da nova legislação, em 2009, a guerra de spots se acirrou nos últimos meses.
O primeiro vídeo a gerar polêmica, divulgado no final de setembro pelo governo argentino durante a transmissão de uma partida de futebol na TV Pública, anunciava que se o Grupo Clarín não se adequasse ao número máximo de licenças permitidas pela lei (24 licenças de TV por assinatura e 10 de rádio ou TV aberta), estas seriam designadas a novos titulares mediante licitação pública.
O vídeo usou pela primeira vez o apelido “7D”para referir-se à data de vencimento da medida cautelar obtida pelo Clarín, que paralisou a adequação do grupo ao limite de licenças até que a justiça se posicione sobre a constitucionalidade de dois artigos legislativos questionados pelo grupo. A propaganda conseguiu instaurar a sigla, hoje usada por kirchneristas e oposicionistas nas menções ao dia 7 de dezembro.
O spot governamental classificava a quantidade de licenças do grupo como “uma verdadeira rede nacional ilegal”. “Vários grupos empresariais de mídia iniciaram os trâmites para cumprir a lei nos últimos meses. E quem ainda não aceita a lei? Adivinhe: Só faltou o grupo Clarín”, dizia o narrador do vídeo, antes de afirmar que o Grupo Clarín “ignora os três poderes democráticos” ao não cumprir com a lei.
A resposta do Grupo Clarín também veio em forma de vídeo, difundido no mesmo dia. Nele, o maior conglomerado de comunicação argentino afirmava que “no dia 7 de dezembro não deve acontecer nada” com suas licenças áudio-visuais. O grupo afirmava que, caso não houvesse um posicionamento judicial sobre a constitucionalidade dos artigos questionados, a medida cautelar poderia ser estendida – pedido efetivamente realizado posteriormente pelo grupo, e negado pela Suprema Corte de Justiça.
Em um trecho da mensagem, o vídeo enfatizava em letras maiores: “Enquanto isso, não deve acontecer nada”. “O que se busca com o relato oficial? Preparar o terreno para outra coisa? Terminar com o Estado de Direito na Argentina?”, questionava o narrador em resposta ao vídeo governamental.
Em outubro, a Afsca (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Áudio-visual) difundiu um novo spot que se inicia com um senhor tomando mate e observando uma planície, enquanto escuta o noticiário de uma rádio sobre o trânsito na cidade de Buenos Aires. “Não é correto que a comunicação seja administrada somente por alguns poucos. A partir da sanção da lei, construímos uma nova economia no setor, que defende o desenvolvimento de pequenas e médias empresas, gerando mais postos de trabalho e conteúdos locais”.
O vídeo discorre sobre benefícios que segundo o governo serão ou foram gerados pela lei: sinais de TV para universidades, a reserva de 33% do espectro radioelétrico nacional para setores sem fins de lucro, frequencias para rádios municipais e universidades, o reconhecimento do direito à comunicação com identidade dos povos originários, licenças a cooperativas para operar TV a cabo, geração de postos de trabalho, entre outros.
“Antes, mais de 90% da ficção para TV aberta era realizada por cinco produtoras de conteúdo de dois grupos econômicos, hoje, pequenas e médias empresas operadoras de TV cabo produzem mais de 2800 horas diárias de programação”. “Graças à lei que exige e incentiva a produção local e independente, se produziram mais de 2 mil horas de conteúdo televisivos gerados no contexto do plano de fomento do estado nacional. Mais de 3500 projetos apresentados em todo o país”, completa o narrador.
O grupo Clarín, por sua vez, vem apostado em vídeos nos quais garante que a Lei de Meios tem como finalidade enfraquecer o “jornalismo independente” e obter o controle governamental sobre a informação. Em uma série de 4 spots de nome Hecha la ley, hecha la trampa (um ditado em espanhol que significa “feita a lei, feita a armadilha”, transmite mensagens como “os meios privados não podem chegar a mais de 35% do país, mas os meios estatais podem cobrir 100%, para que a única voz com alcance nacional, seja a oficial”.
Sempre iniciados com a frase “este é um aviso sobre a Lei de Meios, mas você já sabe, se quiser, mude de canal e pronto” e finalizados com o slogan “Grupo Clarín, independente do governo, não de você”, o grupo denuncia permissividade governamental quanto a licenças indiscriminadas para grupos de comunicação estrangeiros e empresários sócios do governo.
Em um deles, o grupo afirma que “sempre cumpriu a lei e por isso cumpre a Lei de Meios”, e explica que a justiça está “revisando dois artigos desta lei, porque não parecem muito justos”. O narrador denuncia que “o que está acontecendo é que ao governo não convém que haja um grupo independente que conte o que acontece. Por isso inventam o 7D, para que pareça importante para você. E talvez para você importem mais outras coisas, para as quais não puseram data. Nunca”.
Outra série, conformada por três spots intitulados “A colonização oficial da rádio e da TV” compara a lei com um “packman dos meios”, denuncia que o governo subsidia mais de 80% dos veículos áudio-visuais do país, que somente em 2012, seis dos sete canais de notícias argentinos receberam 99% dos anúncios governamentais, enquanto quatro dos cinco canais de TV aberta receberam igual porcentagem dos 170 milhões em publicidade destinados a estes veículos. O vídeo finaliza com a afirmação de que o grupo “é um dos poucos independentes que restam no país”.
A guerra continua por meio de vídeos governamentais contra o conglomerado de mídia. Um deles, também da Afsca, denuncia que a empresa de TV por assinatura do grupo está sendo multada por violar leis de defesa do consumidor e lealdade comercial. “A Cablevisión assinou convênios irregulares com empresas construtoras e administradoras de condomínios para que contratem serviços de cabo e internet de forma exclusiva. Sem te consultar, obrigando-te a pagar através do condomínio, por um serviço que você não escolheu”.
Em outro, rebate a afirmação de que a Lei de Meios é “anti-Clarín”. “Não é verdade. Mesmo se adequando aos termos que a lei exige, o Grupo Clarín continuará sendo um dos maiores grupos de meios da Argentina”, diz a mensagem, completando que “mais de 20 grupos de meios já estão em pleno processo de adequação”. “Os meios de comunicação são a voz de um país. A ideia é que nessa voz, você esteja, e você, e você”, diz o narrador, enquanto imagens de diferentes cidadãos – inclusive um bebê – aparecem na tela.
De ambos os lados, o apelo emocional foi utilizado. O grupo Clarín difunde atualmente um vídeo no qual um trabalhador da Cablevisión, de 49 anos, apresenta novamente seu currículo ao departamento de Recursos Humanos da empresa. “Sim, a verdade é que, neste momento tão particular pelo que estamos passando, queria que a empresa soubesse que hoje mais que nunca, escolho de novo estar aqui”, diz.
O governo, por sua vez, difundiu um spot durante a discussão da lei, em 2009, no qual diversos tiravam uma fita que tapava suas bocas e declaravam seu apoio ao fim dos monopólios. Entre os argumentos expostos por estudantes, trabalhadores, jovens, aposentados e indígenas, afirmavam: “basta de monopólio, falemos todos” , “não quero viver com a herança da ditadura”, “para os povos originários possam ter meios de comunicação”, “para dar mais trabalho a atores, jornalistas e técnicos”, “para que a educação e a cultura possam ter o lugar que merecem”.