Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires,
Nesta semana, o candidato de Cristina Kirchner para suceder na Presidência, Daniel Scioli, foi recebido em Brasília pela presidente Dilma Rousseff. Segundo o próprio Scioli, Dilma "desejou a vitória dele". Um mês antes, quem veio aqui à Argentina apoiar o candidato da situação foi o ex-presidente Lula que, por três dias, foi um cabo eleitoral de Daniel Scioli, atual governador da província de Buenos Aires, onde se concentra 37% dos eleitores do país.
Uma vitória de Scioli, líder nas sondagens, significaria, em linhas gerais, uma continuidade da atual relação bilateral Argentina-Brasil, embora o candidato prometa que vai fortalecer essa relação, hoje estagnada.
Para a Argentina, a relação com o Brasil é a mais importante tanto política quanto economicamente. O vínculo do país com o mundo começa pelo Brasil e continua através do Mercosul. Mas esse eixo estratégico está paralisado tanto pelas barreiras comerciais e cambiais argentinas quanto pela crise no Brasil.
Atual deputado e ex-chefe do gabinete de ministros da presidente Cristina Kirchner, com quem rompeu em 2013, o candidato Sergio Massa, terceiro nas pesquisas de intenção de voto, se diz preocupado com a crise no Brasil. E a preocupação de Massa tem a ver com os investimentos brasileiros na Argentina. Ele se pergunta como ficará a política de financiamento do BNDES, por exemplo.
"Acompanhamos com muita atenção o processo político e o processo econômico do Brasil. Há investimentos brasileiros na Argentina que, em algum ponto, estão vinculados ao resultado do processo político brasileiro. Qual será o desenvolvimento da política de crédito do BNDES se está em questionamento o sistema de concessão de créditos do banco?", questiona-se Massa.
Parceria estratégica
Para o candidato que em 2013, venceu as eleições legislativas que impediram uma modificação na Constituição para permitir um novo mandato para Cristina Kirchner, a relação da Argentina com o Mercosul, em geral, e com o Brasil, em particular, é estratégica. É a partir dessa relação que a Argentina deve procurar vincular-se com o mundo.
"É importante que a Argentina, associada ao Brasil, sente-se como bloco regional com o resto dos países do Mercosul para discutir um acordo com a União Europeia. A relação com o Brasil é uma relação que a Argentina deve reconstruir e consolidar", afirma. "Por uma questão geográfica e política, a Argentina pode ter um papel de vértice entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico (Chile, Peru, Colômbia e México)", indica.
Embora esteja em terceiro lugar nas sondagens, Massa se anuncia como o único capaz de derrotar Daniel Scioli num eventual segundo turno e, assim, acabar com a continuidade do chamado "kirchnerismo" que governa a Argentina há 12 anos.
"Todos os consultores dizem que sou o único capaz de derrotar Scioli num segundo turno. Sou o único que pode enterrar o kirchnerismo", repete Massa. Pode ser verdade que Massa consiga aderir todos os votos contrários a Cristina Kirchner, mas antes precisaria superar o candidato Mauricio Macri, segundo colocado nas pesquisas.
Mauricio Macri, atual governador do distrito Federal de Buenos Aires e ex-presidente do clube Boca Juniors, é o principal opositor ao governo. A prova de que as coisas seriam diferentes do atual piloto automático do Mercosul é que Macri já anunciou que vai exigir a libertação do opositor Leopoldo López, condenado a 13 anos de prisão na Venezuela. E se o presidente venezuelano Nicolás Maduro não concordar, Macri vai reunir os países do Mercosul, do qual a Venezuela é membro, para ativar a chamada "cláusula democrática" que suspende o membro do bloco onde o regime democrático não for pleno.
"Vamos exigir a libertação de Leopoldo López. Se Maduro e a Venezuela não aceitarem, vamos reunir os países do Mercosul e pedir que a cláusula democrática seja executada. Maduro tem de respeitar as liberdades e o papel dos opositores", avisa.
Reativar Mercosul
Macri também coloca a relação com o Brasil como a sua prioridade. Diz que vai reativar o Mercosul, como plataforma de inserção da Argentina no mundo, e que a sua primeira visita como presidente eleito será ao Brasil.
"A prioridade para o nosso governo será reestabelecer, dinamizar e ativar o Mercosul. A minha primeira visita como presidente será ao Brasil, sócio estratégico mais importante da Argentina", antecipa. "Como Mercosul, temos de converger à Aliança do Pacífico", aponta.
O candidato de Cristina Kirchner, Daniel Scioli, lidera as sondagens com cerca de 40%. Esse é o teto que Scioli não consegue superar. Os outros 60% dos eleitores votam na oposição, mas estão divididos. Mauricio Macri, tem aproximadamente 30% das intenções de voto. Em terceiro lugar, Sergio Massa, aparece com cerca de 20%.
Em qualquer lugar, o segundo turno estaria garantido, mas, aqui na Argentina, para ser eleito presidente, bastam 45% dos votos ou mesmo 40% desde que haja uma diferença de, pelo menos, 10 pontos com o segundo colocado.
Como as pesquisas indicam que os números estão no limite para um segundo turno ou não. E como nunca houve antes na história argentina um segundo turno, ninguém arrisca o cenário do próximo dia 25.
"Se haverá segundo turno, sinceramente ninguém sabe. A margem é mínima e estão todos no limite", admite Mariel Fornoni, diretora da conceituada consultoria política Management Fit. Se Scioli disputar um segundo turno, as chances de uma derrota multiplicam-se com a soma de todos os votos anti-kirchneristas. É fina linha que separa o candidato de Cristina de uma vitória agora ou de uma possível derrota no segundo turno em 22 de novembro.
"A tendência hoje é de segundo turno, mas a diferença pode ser de meio ponto. E a verdade é que os cenários também num segundo turno são todos muito disputados", projeta Fornoni.
Uma sondagem da conceituada Poliarquía aponta 37,1% de votos patra Scioli, mas com a projeção de indecisos, alvo dos candidatos nesta reta final, os números poderiam oscilar entre 38,5% a 41%. Macri aparece com 26,2% e com a projeção de indecisos ficaria entre 27,5 e 30%.
Com qualquer candidato, a relação com o Brasil e com o Mercosul deve melhorar. Deve mudar menos com Daniel Scioli, mais com Sergio Massa e muito com Mauricio Macri. Mas sempre será estratégica para a Argentina.