Marcel Desailly não é um nome qualquer do futebol mundial. O ex-zagueiro francês, nascido no Gana, tem um currículo repleto de taças que impõem respeito e lhe dão legitimidade suficiente para opinar sobre o futebol atual: campeão mundial pela França em 98 e europeu dois anos depois, além de duas Copas das Confederações em 2001 e 2003 pelo time gaulês. Desailly ainda conquistou dois títulos continentais por clubes: a Liga dos Campeões pelo Marselha em 1993 e pelo Milan um ano depois. Hoje, o campeão divide o seu tempo entre a Europa e o continente africano, onde participa de atividades de beneficência.
Na França, Desailly trabalha como comentarista esportivo da Liga dos Campeões para o canal do Catar "BeInSports". E foi numa dessa ocasiões, em sua antiga casa, o Stamford Brigde, que a reportagem do GloboEsporte.com encontrou o atleta. A princípio, o zagueiro, ex-Milan e Chelsea, não queria falar sobre a Copa do Mundo por motivos de restrição contratual que o ligam ao canal televisivo, mas com algum sacrifício Desailly se deixou convencer e abordou o atual panorama da seleção brasileira, apontada como grande favorita à conquista.
Marcel Desailly nos tempos em que jogava no Chelsea: "Pressão na Copa do Mundo é diferente" (Foto: Getty Images)
- A seleção brasileira está muito bem é verdade, mas penso que vai passar por grandes dificuldades na Copa do Mundo - afirmou o ex-zagueiro, que foi campeão do mundo ao derrotar o Brasil por 3 a 0 na final de 1998 num jogo em que foi expulso por receber o segundo cartão amarelo.
- O Brasil fez uma boa Copa das Confederações, mas, por experiência própria, posso dizer que a pressão na Copa das Confederações não tem nada a ver com a que existe numa Copa do Mundo. É um torneio mais curto, com menos times, etc, etc, etc - continuou o francês, sempre em tom descontraído e muito direto.
- Durante a Copa das Confederações, o Brasil conseguiu transformar a pressão em algo positivo e isso me parece que aconteceu devido à juventude e à inexperiência de alguns de seus jogadores, muito talentosos. Não só o Neymar, o Brasil tem jogadores de muito talento. Mas agora a pressão vai ser enorme, gigante, quer da parte da imprensa, como dos outros times rivais e principalmente da torcida brasileira que espera muito e quer tanto este título. Acho que o Brasil não vai aguentar a pressão, espero que isso não aconteça, porque o Brasil tem um time fantástico desde sua defesa, meio-campo, até ao ataque, mas acho que vai acontecer - afirmou.
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"a argentina vai ganhar"
Desailly ainda aproveitou para dar um conselho a Luiz Felipe Scolari e aos jogadores brasileiros.
- No nosso caso, nós sofremos essa pressão e conseguimos positivá-la. Acho que os jogadores terão de ser muito pacientes. O treinador vai ter o papel fundamental de passar tranquilidade ao time e não colocar pressão suplementar no time. O Brasil precisa estar apenas focado em exprimir o seu enorme talento - aconselhou o francês.
Marcel Desailly sobre o time de Felipão: "Brasil deve focar apenas em exibir o seu talento" (Foto: Getty Images)
O ex-jogador, no entanto, aposta na Argentina como grande favorita à conquista do título mundial.
- Para mim vai ganhar a Argentina. Não é só pelo Messi. É pela Argentina como time, vai ser o time vencedor, é a minha opinião e basta, não vou justificar mais - continuou Desailly, que se apressava para deixar o Stamford Brigde, mas ainda aceitou comentar a questão do racismo nos estádios de futebol, que ganhou uma nova dimensão após os recentes episódios da banana atirada para Daniel Alves e neste domingo para Kevin Constant, em jogo entre Atalanta e Milan pelo Campeonato Italiano.
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desaily defende dani alves
Para Desailly, o racismo no futebol é uma realidade que não existe no dia a dia dos clubes, mas sim, no contato dos jogadores com “torcidas ou torcedores ignorantes”.
Desailly posa para foto durante entrevista em Londres (Foto: Claudia Garcia)
- É preciso não misturar as coisas. Para começar, não há racismo no futebol porque não há um único treinador que eu conheça que não escale um árabe, um africano, um chinês ou um indiano por discriminação. No futebol, jogam os melhores e um treinador quer formar o melhor time possível. Há certos jogos que têm certos torcedores com certas formas de exprimir o apoio ao seu time que são mais ou menos corretas e esses torcedores ou torcidas não sabem dimensionar a consequência de seus atos. Foi isso que aconteceu com torcedor que atirou a banana em Dani Alves. O garoto veio ao estádio, ama o seu clube, apoiou a sua equipe, provocou o rival, atirou a sua banana, mas não dimensionou a sua atitude de ignorância individual que, por vezes, existe também coletivamente. Ele foi banido do estádio para sempre, certo? Claramente o garoto não tem noção de seu atos. Estes torcedores precisam de ser acordados, mas pelos próprios clubes e não pelos jogadores - observou o francês.
Daniel Alves come banana atirada por torcedor em jogo do Barcelona (Foto: Reprodução)
Desailly elogiou a atitude do lateral-direito da Seleção que classificou de “muito boa” e “engraçada”, mas chamou a atenção das próprias instituições esportivas que, em sua opinião, devem ser mais organizados e rigorosas no combate a este tipo de atitudes.
- Os torcedores têm de entender que vão até um estádio, uma estrutura esportiva dirigida por uma instituição, com regras e têm de se comportar. Eles simplesmente não podem fazer o que lhes apetece. Devem exprimir o seu apoio de forma consciente e respeitosa e o clube tem de impor regras e punir este tipo de comportamentos individuais ou coletivos. A mesma coisa para o gritos imitando sons de macacos. O jogador deve continuar jogando, porque ele não está ali para resolver esse problema. Não é o jogador, nem a polícia, mas sim as instituições esportivas públicas e clubes privados que têm a responsabilidade para atuar - disse o ex-zagueiro francês.
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negro e champanhe não combinam na espanha
O ex-zagueiro, que atuou em França, Inglaterra e Itália, vê diferenças nos comportamentos das torcidas em cada um dos países. Para Desailly, na Espanha o ambiente interno e de grande divisão leva ao desenvolvimento de culturas racistas.
Constant segura banana jogada no gramado no jogo entre o Atalanta e o Milan (Foto: AFP)
- Na Inglaterra e na Alemanha a imigração está sensivelmente integrada à sociedade. São países bem organizados e a sociedade tem essa noção de respeito. Na Itália já é um pouco diferente. O italiano é um pouco racista certamente, mas é aberto, curioso e quando você explica as coisas, a situação pode evoluir positivamente. Os espanhóis, na minha opinião, são mais racistas, porque quando você pensa em Catalunha, região central de Madri, comunidade de Valência, país Basco, etc. Já existem muitas diferenças e batalhas internas ferozes pela separação de cada um destes povos. Na Catalunha, um negro que chega a um hotel cinco estrelas não é bem visto. O cara te olha de alto a baixo, porque os catalães estão acostumados a ver negros vendendo bolsas no meio da rua, mas não um negro que brinda com um copo de champanhe em um hotel cinco estrelas. Na Inglaterra, por exemplo, isso é mais comum. Então nesse ambiente que existe na Espanha é normal que uma cultura de racismo se desenvolva mais facilmente. É uma questão de cultura que vai muito além de um garoto que lança uma banana num estádio - conclui Desailly.