Brasil e Argentina devem rever política automotiva

Os governos do Brasil e da Argentina começarão a discutir uma nova política automotiva comum no final deste mês, em reunião paralela à Cúpula do Mercosul, em Caracas, segundo fonte oficial. Em princípio, o encontro estava marcado para o dia 17, mas os negociadores de ambos os países tiveram que adiar o início das conversas em razão da postergação da cúpula para o dia 31, conforme data informada, há alguns dias, pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. 

As discussões ocorrem com a indústria dividida sobre a necessidade de estabelecer um novo acordo e a resistência do governo de Cristina Kirchner à abertura do mercado. Executivos do setor e analistas apontam que as discussões serão complicadas e exigirão que o Brasil deixe de lado a “paciência estratégica” para defender duramente sua posição em favor da abertura do comércio.

A atual política comum bilateral vence em 30 de junho de 2014 e a indústria está dividida sobre a necessidade de renová-la. Quando o Mercosul foi criado, os sócios excluíram o setor automotivo, que inclui também as autopeças, da área de livre comércio e criaram um acordo específico. “Se este acordo não for renovado, com ou sem modificações, há quem interprete que a indústria terá que aplicar alíquotas de importações para ambos os países”, detalhou um técnico do setor. A outra interpretação é de que, na ausência de um novo protocolo, fica valendo o livre comércio.

“Ou a indústria automotiva brasileira trata de ser competitiva como a do México, ou o Brasil, o quinto país do mundo, vai ficar para trás”, opinou o presidente de uma das montadoras instaladas em ambos os países e que prefere não ser identificado. Na opinião dele, se o Brasil quer ser uma verdadeira presença mundial, não pode continuar olhando só para o mercado interno para ver o quanto o protege da concorrência.

As conversas bilaterais estão intimamente ligadas às negociações do Mercosul com a União Europeia. “O Brasil tem que jogar para fora e, por isso, o acordo com a União Europeia é fundamental. Mas precisa acertar os ponteiros com a Argentina, que também necessita abrir seu mercado para tornar-se competitiva”, sugeriu. Na opinião do executivo, “o Brasil está absolutamente decidido” a avançar na formação de uma área de livre comércio com os países europeus, mas está tendo problemas “justamente com essa história da Argentina ficar olhando para o próprio umbigo”.

O executivo opinou que, se a Argentina mantiver a postura de “fechamento”, corre o risco de ficar isolada. “Pelo que eu tenho falado com as autoridades, o Brasil está decidido. E, uma vez acertado com o Paraguai e o Uruguai, a Argentina não pode ficar isolada. Vai ter que ser obrigada a seguir o Brasil”, afirmou. Ele reconheceu que todas as montadoras e demais setores industriais pedem proteção, “mas isso é um erro”. Em 2004, recordou, a indústria automotiva argentina queria o acordo de livre comércio com o México porque era muito competitiva, tanto que exportou mais de 100 mil automóveis ao país asteca.

Dez anos depois, Argentina só exporta ao Brasil, e vice-versa, enquanto o México “arrasa exportando todos seus produtos para todo mundo, porque tem acordo de livre comércio com Europa, Japão, Estados Unidos, Brasil e Argentina”. Hoje o México tem um mercado de 2,6 milhões automóveis, observou.

O presidente da montadora afirmou que a expectativa da maioria dos executivos que defendem a abertura do mercado é que, durante as negociações bilaterais com a Argentina, o Brasil foque no acordo com a Europa. A indústria local fechou o ano com 791.007 unidades produzidas, uma alta de apenas 3,5% em relação a 2012. O volume é recorde mas ficou abaixo das estimativas iniciais de 930 mil unidades. Para 2014, a perspectiva mais otimista é chegar a 850 mil automóveis.

Déficit argentino de autopeças é considerado maior empecilho para as negociações 

O maior empecilho ao acordo entre Brasil e Argentina é o déficit estrutural argentino de autopeças, que deve fechar o ano com um saldo negativo de US$ 8,8 bilhões, dos quais US$ 2,6 bilhões com o Brasil, segundo estimativas da consultoria argentina Abeceb. Em veículos, a Argentina teve superávit de US$ 1,2 bilhão com o Brasil, mas na conta final, o déficit foi de US$ 1,4 bilhão, conforme as projeções. Por outro lado, o déficit do Brasil no setor com outros países fora da região, entre janeiro a novembro de 2013, foi de US$ 9,36 bilhões, uma alta anual de 62,2%, conforme dados do Ministério de Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

Tanto a Associação de Fabricantes Argentinos de Componentes (Afac) e suas equivalentes brasileiras, Associação Brasileira de Autopeças (Abipeças) e Sindicato Nacional das Indústrias de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), fazem parte da associação regional Mercopartes, onde coincidem sobre a necessidade de reduzir as importações de peças de ambos os países. Do lado argentino, a Câmara de Industriais Fundidores da República Argentina (Cifra) e o Grupo de Produtores de Autopeças (Proa) divulgaram recente documento apontando que a fabricação nacional de automóveis requer a importação de mais de 70% das autopeças necessárias.

O objetivo do governo argentino é reduzir esse percentual a 33%, mas enfrenta dificuldades para atrair investimentos. “Em sua essência, as negociações estão afetadas por um problema macroeconômico que envolve a inflação argentina, a falta de divisas com a defasagem cambial e as Declarações Juramentadas Antecipadas de Importação”, afirmou um executivo das montadoras. Cerca de 35% das importações argentinas de autopeças são do Brasil, seguido pela China com 14,4% e Alemanha, com 8%.

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