No centro da foto, posam em 1900 nas docas de Puerto Madero, os presidentes do Brasil e da Argentina: Campos Salles e Roca. Os dois, com bom feeling pessoal, deram o pontapé inicial para a aproximação comercial entre os dois países.
O chanceler Mauro Vieira, que foi embaixador na Argentina entre 2004 e 2009, reúne-se ao longo desta quarta-feira com o chanceler argentino Héctor Timerman e outros integrantes do governo da presidente Cristina Kirchner para analisar os quiproquós existentes na relação bilateral.
Os principais problemas entre os dois lados da fronteira são as barreiras comerciais aplicadas há anos pelo governo Kirchner, que violam o espírito que existe - pelo menos teoricamente, no papel - de livre comércio entre os países do Mercosul. Além das barreiras, o esfriamento da economia brasileira e a recessão na Argentina complicaram o comércio bilateral.
O intercâmbio Brasil-Argentina caiu de US$ 36,079 bilhões em 2013 para US$ 28,427 bilhões em 2014, constituindo o menor volume desde 2008, equivalente a uma queda de 21,2%.
O saldo comercial a favor do mercado brasileiro - que havia sido de US$ 3,152 bilhões há dois anos - foi de apenas US$ 141 milhões no ano passado. Desta forma, o superávit do Brasil com a Argentina caiu 95,53% em 2014 em comparação com 2013. Este é o mais baixo superávit que o Brasil teve com a Argentina desde 2003, ano em que o mercado brasileiro encerrou nove anos de persistente déficit com os argentinos, iniciado em meados da década de 90.
Se 2014 foi um ano difícil no comércio bilateral, 2015 também começa mal, pois em janeiro o intercâmbio Brasil-Argentina caiu 25,3%, o mais baixo nesse mês desde 2009.
De quebra, no Brasil existe preocupação pelos recentes acordos comerciais e de investimentos feitos pela Argentina com a China. Os pactos assinados pela presidente Cristina com Pequim garantem às empresas chinesas privilégios (que o Brasil jamais teve) para participar de licitações públicas (fato que prejudicaria as empresas brasileiras), ausência de tarifas alfandegárias para exportar ao mercado argentino insumos e bens de capital (como se fosse um sócio do Mercosul), entre outros.
O PENDENTE ACORDO AUTOMOTIVO - Os dois países também possuem pendente na agenda bilateral a definição sobre o acordo automotivo. No ano passado, depois de meses de delongas sem uma definição para o novo pacto, os dois governos tiveram que fechar um acordo automotivo transitório.
Este acordo, de um ano de duração, vence no dia 30 de junho de 2015, e serve como resguardo-tampão para o comércio automotivo bilateral enquanto os dois governos não definem o acordo de longo prazo de duração, que começaria em julho de 2015.
Na ocasião do anúncio, no ano passado, a ministra da Indústria da Argentina, Debora Giorgi, declarou que o acordo de longa duração teria vigência de cinco anos.
O intercâmbio automotivo jamais desfrutou do livre comércio dentro do Mercosul. O plano original, desde 1991, era que o livre comércio imperaria a partir do ano 2000. Mas, de lá para cá, desde o governo do presidente Fernando De la Rúa (1999-2001), passando pela administração Néstor Kirchner (2003-2007) até a presidente Cristina, os negociadores argentinos sempre conseguiram arrancar do Brasil permanentes renovações do regime. Em Buenos Aires e Brasília ambos governos optam pelo uso do eufemismo de "comércio administrado" para a ausência de livre comércio.
MEDIDAS PROTECIONISTAS - A administração Kirchner aplicou ao longo dos últimos 11 anos um variado cardápio de medidas protecionistas, entre as quais as licenças não-automáticas (que nos últimos anos implicaram em demoras de até seis meses para a liberação das mercadorias), valores-critério, medidas anti-dumping e a imposição de cotas aos empresários brasileiros que exportam para a Argentina (denominadas com o eufemismo de "acordos voluntários").
O pontapé inicial ocorreu em julho de 2004, quando o presidente Néstor Kirchner deflagrou a "Guerra das Geladeiras", que constitui uma ofensiva generalizada contra a entrada de produtos de linha branca, eletrodomésticos e televisores brasileiros.
Nos anos seguintes as barreiras protecionistas continuaram sua expansão. Em alguns casos, desde 2011, foram reforçadas por ordens verbais, não-escritas, emitidas pelo então secretário de comércio interior, Guilermo Moreno.
No entanto, todas estas medidas foram acompanhadas desde fevereiro de 2012 pelas "Declarações Juramentadas Antecipadas de Importação (DJAI)", modalidade de obstáculo alfandegário que atinge 100% dos produtos importados de todos os países.
As DJAI constituem uma imposição a todas as empresas que desejem importar a realizar uma apresentação, de forma prévia, de um relatório detalhado à Administração Federal de Ingressos Públicos (Afip). No entanto, ersta norma não prevê qualquer espécie de prazo para que o Fisco emita uma decisão. Isto gera um cenário no qual os empresários frequentemente devem esperar longos meses até saber se poderão - ou não - importar um insumo ou bem de consumo.
"A Promessa", do inglês Henry Scott Tuke (1858-1929). A obra, de 1888, está no Walker Art Gallery, em Liverpool.
PROMESSAS E REMAKES DE PROMESSAS - Desde 2013 o governo Kirchner prometeu em diversas ocasiões a "flexibilização" das barreiras comerciais argentinas. O então chanceler brasileiro, Luiz Alberto Figueiredo, foi o primeiro a ouvir essas promessas por parte do chanceler Timerman. "Resolveremos isso imediatamente", prometeu o argentino.
Meses depois as promessas foram repetidas ao então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) Fernando Pimentel.
Em março de 2014, foi a vez de um remake das promessas - por parte do ministro da Economia da Argentina, Axel Kicillof, para o sucessor de Pimentel, Mauro Borges.
Ao longo dos últimos 11 meses o governo Kirchner sequer se esforçou em fazer novas promessas sobre flexibilização das barreiras para facilitar a entrada de produtos Made in Brazil.
PEQUENO GLOSSÁRIO MERCOSULÊS
RELANÇAMENTOS - Desde 1999 os países do Mercosul propuseram o "relançamento" do bloco em cinco ocasiões, como tentativa de maquiar sua erosioanda imagem. Ao longo desse período os dois governos bolaram diversos instrumentos, com suas respectivas comissões (e integrantes dessas comissões) para resolver os problemas "de forma acelerada e prática". Uma das criações, em 2004, foi a do tribunal para a solução de controvérsias (que até agora agiu apenas em um punhado de ocasiões). Em 2006 foi a vez do "Mecanismo de adaptação competitiva" em 2006 (que jamais foi colocado em funcionamento).
PACIÊNCIA ESTRATÉGICA - Expressão utilizada para designar a paciência que os governos brasileiros tiveram com a Argentina, de olho em um horizonte a longo prazo, e portanto, com viés estratégico.
FLEXIBILIZAÇÃO - Expressão usada pelos negociadores argentinos para indicar que alguma hora pretendem realizar um "amolecimento" das barreiras (que teoricamente estão proibidas).
FRASES - Ao longo da última década e meia, presidentes, ministros e secretários do Brasil e da Argentina minimizam os conflitos bilaterais recorrendo, nas declarações à imprensa, a argumentos futebolísticos ("a única coisa que nos divide é o futebol") ou metáforas matrimoniais ("o Mercosul é como todo casamento, sempre existem brigas").
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