Bem perto de Buenos Aires: exemplo recente do reconhecimento em festivais internacionais
Em números absolutos, o cinema, em seis dos maiores parques exibidores da América Latina, poderia ser representado por um conglomerado de 5,5 mil salas em que circulariam quase 350 filmes de produção autêntica, extra-Hollywood, pronta para o consumo de 370 milhões de espectadores.
O mundo das porcentagens, porém, trata de lançar água fria, ao trazer para a realidade um mercado em eterno desenvolvimento, mas que em seu bojo não mobiliza nem 9% do público interessado em privilegiar a produção legítima de cada país (a invasão americana persiste). Em média (grosseira), cada habitante iria uma vez ao ano para o cinema, e, sim, o Brasil até que não estaria mal: concentrando dois terços dos 30 milhões totais de público. O universo descrito reúne dados do Brasil, ao lado do bloco integrado por Colômbia, Chile, Peru, Venezuela e Argentina.
Contudo, a conjuntura tem se mostrado favorável para a revolução dos latinos. “Penso que o cinema latino-americano passa por um dos seus melhores momentos históricos. A cada festival, podemos ver que nas seleções, ao menos um ou dois filmes representam o bloco, com grande variedade de estilo. Há várias gerações de jovens que vão assegurar o brilho da região por muitos anos”, acredita o diretor argentino Benjamín Naishtat que, aos 29 anos, tem credenciais de participação em Cannes e a disputa pelo Urso de Ouro, na Alemanha, com o longa Bem perto de Buenos Aires.
A maciça premiação de filmes latino-americanos, no último Festival de Berlim (do chileno Pablo Larraín à brasileira Anna Muylaert, passando pelo chileno Patricio Guzmán e pelo guatemalteco Jayro Bustamante) confirma tese pessoal de Naishtat: “Reconhecidos no exterior, diretores como Carlos Reygadas (México), Karim Aïnouz (Brasil) e Lucrecia Martel (Argentina) mostraram o caminho para que outros, humildemente, tomem a coragem necessária para adentrar projetos que honrem compromissos individuais, em termos criativos.”
Mesmo com a galopante inflação, desde 2007, o cinema argentino segue em desenvolvimento, com a produção anual de mais de 130 filmes. Com respaldo do circuito de arte, Bem perto de Buenos Aires exemplifica a comunicação alargada, na gramática do cinema, já que tem sido comparado ao brasileiro O som ao redor. “Há semelhanças nos filmes, que têm a ver com sintomas de um mal-estar social comum a toda América Latina. Daí, a esperança de que o público brasileiro se interesse”, diz Naishtat.
O argentino endossa a tendência da integração das indústrias cinematográficas, particularmente em torno da América Latina que “pode ocasionar um dos polos mais importantes do mundo, dadas qualidades e quantidades de títulos”. A coprodução, a seu modo de ver, já não se presta a completar orçamentos, como nos fins dos anos 1990, faz é gerar público internacional para as fitas.
Novos horizontes
De olho no público do continente, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) uma chamada pública de coprodução latino-americana, no programa Brasil de Todas as Telas, a ser efetivada em maio - são R$ 5 milhões em recursos do Fundo Setorial do Audiovisual. “Vamos simplificar e tornar viável para um coprodutor daqui se envolver em projetos com outros países, mesmo naqueles com os quais o Brasil já tenha acordos. Será estímulo para as empresas se internacionalizarem”, pontua o assessor internacional Eduardo Valente. Numa parceria, há de se levar em conta valores e conteúdos, opina o cineasta uruguaio Alvaro Brechner.
“Cada projeto matura em condições particulares. No Uruguai, por ser um país de apenas 3,5 milhões de pessoas, se tem um mercado muito limitado. Assim sendo, há vocação e necessidade de tentar associações no exterior. Há uma importante limitação econômica”, observa Brechner (do recente Mr. Kaplan), que já concorreu em Cannes e ao prêmio Goya (fundamental, no mercado espanhol). Com Chile, Colômbia, Equador e Peru, o Uruguai estará contemplado pelo projeto da Ancine, na razão de um quarto do montante. Projetos de ficção e animação receberão apoio de até R$ 250 mil. No patrocínio a documentários, o teto será de R$ 175 mil.
Para consolidar o apelo pelo documentário, vale o reforço de um dado: na Venezuela, mesmo com a baixa frequência do fluxo de público nacional (quase a metade, se comparado ao Brasil), um documentário sobre o ditador Marcos Pérez Jiménez mobilizou 165 mil espectadores. Também ilustram a força das coproduções, públicos da ordem de 26 mil (para os argentinos A sorte em suas mãos e Coração de leão) e, com plataformas distintas Trash - A esperança vem do lixo (259 mil) e Praia do futuro (133 mil espectadores, na bilheteria).
Diego está em Relatos selvagens: mais de 3,5 milhões de espectadores apenas na Argentina, tornando-se o filme mais visto de 2014 no país
O talento argentino
Aos 38 anos, Diego Gentile figura como um dos principais atores argentinos do momento. Com mais de 20 anos de carreira e diversos trabalhos no teatro, no cinema e na televisão, Gentile ganhou projeção internacional com o personagem Ariel, na história Hasta que la muerte nos separe, de Relatos selvagens. No longa do diretor Damián Szifrón - indicado na categoria de melhor filme estrangeiro no Oscar 2015 -, ele interpreta um noivo que é desmascarado na noite de casamento. Enquanto todos celebram a nova vida do casal, a noiva descobre uma traição com a colega de trabalho e o evento se torna um caos. A brilhante atuação lhe rendeu uma indicação como ator revelação no Condor de Plata, um dos principais prêmios do cinema argentino.
ENTREVISTA//DIEGO GENTILE
Quando e como o teatro entra na sua vida?
Comecei a estudar teatro aos 12 anos, em um centro cultural, perto da casa onde morava. Aos 13, fui estudar com Agustin Alezzo, um diretor e professor de teatro muito importante daqui. E, aos 17, apresentei meu primeiro espetáculo e não parei mais. Encenava uma peça por ano, enquanto ensaiava outra. Em 2008, cheguei a fazer cinco trabalhos de uma vez: corria de um teatro para outro e tinha dias que trabalhava em três funções diferentes. Era uma loucura genial! Um esgotamento feliz (risos).
Qual foi o primeiro trabalho no teatro?
O primeiro espetáculo em que trabalhei foi com meus companheiros da oficina de Alezzo. Depois, atuamos muito no teatro indenpendente, com grandes diretores, como Daniel Veronese, Pablo Messiez, Ines Saavedra, Lorena Romanin, Javier Daulte e Ruben Szuchmacher. Viajei por muitos países da América Latina com essas montagens.
Você também tem muitos trabalhos na televisão…
Foram muitas participações. Por exemplo: Amas de casa desesperadas; S.O.S mi vida; Malparida; Herederos de una venganza; Son cosas de novela; e Poliladron. Nas novelas Nini e Sres. Papis atuei do começo ao fim. Sou feliz fazendo tevê. Me diverte muito.
Onde você prefere atuar: teatro, cinema ou tevê?
Não posso escolher…Gosto muito das três coisas. A expressividade do cinema é muito diferente do teatro e da televisão. Cada âmbito requer uma energia diferente e eu gosto de jogar com esse leque de diferentes energias.
Na novela Sres. Papis você interpreta Benicio, que é gay. Como o público recebeu o personagem?
Benicio foi muito bem recebido por todo público. Aqui, está sendo comum ver personagens gays homens e mulheres nas ficções. Sres. Papis é uma novela que foi vista por toda família e, durante o ano que ela foi exibida, nenhuma criança me questionou nada sobre a sexualidade do Benicio. Na verdade, me indagavam sobre os valores que o personagem tinha, como respeito à amizade, à família e ao amor.
Como você chegou ao elenco do filme Relatos selvagens?
O diretor (Damián Szifron) testou atores que tinha pensado para o papel de Ariel, porém eles não o convenceram. Szifron pediu um reforço e o diretor de elenco, Javier Braier, pensou em mim. Me convidaram para fazer o teste de elenco enquanto eu estava fazendo a temporada de verão em La Costa (Argentina). Depois, viajei de férias para a Disney (EUA), quando vi, por e-mail, que tinha sido aprovado e seria o Ariel em Relatos selvagens.
É verdade que, durante as gravações, você não encontrou com Ricardo Darín?
O longa foi filmado como episódios diferentes e, por isso, não nos cruzamos. Só encontrei Darín na estreia e ele me parabenizou pelo meu trabalho. Darín é um grande ator, com muita sensibilidade, e com quem gostaria de trabalhar. Eu o admiro muito.
Relatos selvagens foi o filme mais visto na Argentina em 2014 e recebeu indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. A que se deve tanto sucesso?
Creio que as pessoas se identificam com os personagens. Isso, somado ao humor negro, é a chave do sucesso. Além disso, os profissionais que participaram do filme são perfeitos! (risos)
A atuação em Relatos lhe rendeu uma indicação como ator revelação no prêmio Condor de Plata…
É um carinho no ego ter uma premiação como essa. É o reconhecimento do público. As pessoas se comovem com o filme e com a história do casamento (um dos seis episódios do longa): elas riem e se emocionam. É uma viagem o que o espectador faz com os personagens.
Como você vê o atual cinema latino-americano?
Acredito que esteja se abrindo uma boa indústria no cinema latino-americano e há muito talento. Por exemplo, em todos os festivais internacionais sempre há bons representantes da América Latina.
Quais são os projetos para 2015?
Estou fazendo o quinto ano de um sucesso teatral Toc toc, que é uma comédia sobre o transtorno obsessivo compulsivo (TOC); o monólogo Matar cansa, sobre um admirador fanático de um assassino serial; e gravando Todos comen, uma minissérie para a tevê.
Você acompanha a produção do cinema e do teatro brasileiro?
Amo o Brasil, Rio de Janeiro, São Paulo…Gosto muito do cinema brasileiro e de outros países da América Latina, porém ainda não consegui acompanhar o teatro daí. Farei isso em breve! Aqui, na Argentina, as novelas brasileiras são grandes produções e fazem sucesso. Quando posso e estou em casa, assisto. Gostaria de fazer uma novela aí!