Natalia Kidd.
Buenos Aires, 16 dez (EFE).- Após quatro anos de restrições cambiais e distorções na economia, a Argentina se livrou nesta quarta-feira do “cerco” ao dólar, um dos “piores erros” da política econômica dos últimos anos do kirchnerismo, mas agora se prepara para uma forte desvalorização, que poderia chegar a 45%.
Quase uma semana após assumir a presidência, Mauricio Macri cumpriu hoje uma de suas principais promessas de campanha: pôs fim às restrições que no final de outubro de 2011 foram impostas por sua antecessora, Cristina Kirchner, para comprar divisa estrangeira em bancos e casas de câmbio.
Logo após conseguir a reeleição para um segundo mandato, Cristina sacudiu o mercado ao obrigar os investidores a obter uma permissão da Receita Federal para poder comprar dólares e, mesmo com o sinal verde, em montantes muito limitados.
A medida, segundo argumentou o governo na época, buscava conter uma acelerada fuga de divisas, mas sua efetividade foi ínfima.
As reservas monetárias do Banco Central argentino caíram drasticamente desde a criação das restrições cambiais até hoje: uma sangria de US$ 23,367 bilhões.
“Foi o pior erro de política econômica, que fez a Argentina fechar sua economia e perder quatro anos de crescimento. Foi uma perda de tempo e sua efetividade foi nula”, disse à Agência Efe o economista Ramiro Castiñeira, da empresa de consultoria Econométrica.
Ao limitar o acesso ao mercado formal, o mercado negro floresceu e fez disparar o chamado “dólar blue”, que hoje fechou a 14,63 pesos por unidade, frente aos 9,835 pesos da cotação em bancos e casas de câmbio.
As restrições provocaram distorções em toda a economia: sofisticados mecanismos financeiros entre os grandes operadores para conseguir divisas, contratos baseados em taxas de câmbio voláteis, investimentos freados pela complexidade das restrições.
Os impedimentos não só afetaram a compra de dólares para o público em geral. Também afetaram o envio de remessas das empresas e a aquisição de dólares para pagar importações. Além disso, o governo impôs uma taxa de 35% às despesas com cartões de crédito no exterior e à compra de pacotes turísticos.
“Estamos fazendo isto com o objetivo de normalizar a economia”, disse hoje o ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay, que espera com esta medida retomar a atividade econômica após quatro anos de estagnação.
Os analistas concordam que o fim das restrições e a abertura da economia são necessárias, mas nesta quinta-feira, quando os mercados reabrirem, esperam que haja uma desvalorização.
“Amanhã mesmo vai haver um salto no preço do dólar”, disse à Agência Efe Fausto Spotorno, economista-chefe da empresa de consultoria Orlando Ferreres, para quem o novo valor do dólar oficial tenderá à cotação do denominado “dólar contado com liquidação”, uma taxa de câmbio utilizada entre grandes operadores financeiros e que hoje fechou a 14,325 pesos.
Se chega a esse valor, que o próprio Prat-Gay definiu hoje como o “mais representativo” do mercado, a desvalorização seria de 45%, embora os analistas acreditem que a cotação estabilizará-se com o correr das semanas, por meio de uma política de altas de taxas de juros por parte do Banco Central.
“O Banco Central vai buscar estabilizá-lo com o aumento das taxas de juros em seu início, para evitar um ‘overshooting’, um salto muito grande, reações exageradas”, considerou Castiñeira.
O ministro da Fazenda antecipou que o Banco Central manterá suas intervenções no mercado cambial e que o governo buscará que “o valor do peso se mantenha, que o poder aquisitivo do salário não se perca e que a inflação vá diminuindo gradualmente”.
Uma das consequências mais temidas da iminente desvalorização é sua incidência nos preços, algo que a nova Administração assegura que buscará evitar.
“Estamos conscientes que há preocupação porque efetivamente nas últimas semanas houve aumentos de preços. É parte da herança do governo anterior”, lamentou Prat-Gay.
Para Spotorno, a desvalorização do peso que se avizinha “vai ter algum impacto” nos preços, especialmente nos “produtos de exportação”, como os alimentos.
Com uma inflação anual em torno de 25%, a promessa de Macri é moderar a tendência de alta dos preços, algo que se prevê difícil com a desvalorização que se espera para os próximos dias, embora os analistas acreditem que no médio prazo entrarão em jogo outras variáveis, como um teto sobre a emissão monetária, para criar um “cerco à inflação”.